quinta-feira, 24 de setembro de 2009



O semeador de discórdias

Em entrevista à Folha, ex-crítico de restaurantes do "NYT" relata seus transtornos alimentares e conta sobre as perseguições e pedidos de donos de restaurantes em "Born Round", livro de memórias ainda inédito no Brasil

JANAINA LAGE - DE NOVA YORK

"Quem nasce redondo não morre quadrado." A frase, repetida à exaustão pela avó paterna, ecoou durante muito tempo na cabeça de Frank Bruni, ex-crítico de restaurantes do "New York Times". Para a avó, vencer a própria natureza era meta impossível. Para Bruni, o natural sempre foi comer, e comer sem medida.

Bruni assumiu o cargo de crítico de restaurantes do jornal em 2004 e logo despertou apreço e fúria entre os chefs e donos de restaurante da cidade. Ao primeiro sinal de comentários mais ácidos, os chefs criticavam sua falta de experiência. Ele havia trabalhado antes como repórter de política e depois como correspondente na Itália.

O que os leitores e os donos de restaurantes não sabiam é que Bruni mantinha uma relação de amor e ódio com a comida desde pequeno. Após deixar a vaga, em agosto deste ano, decidiu contar sua história em um livro de memórias, "Born Round" (em tradução livre, nascido redondo).

Em entrevista à Folha, Bruni conta sobre como aprendeu a controlar seu "apetite indomável" mesmo em meio a uma rotina de oito a dez refeições semanais em alguns dos melhores restaurantes da cidade. Descreve ainda o difícil relacionamento entre críticos, chefs e donos de restaurantes.

Bulimia e jejuns

O sinal de alerta para a família sobre o apetite voraz de Bruni soou quando ele tinha 18 meses. Com choro alto, o bebê pedia para que a mãe servisse o terceiro hambúrguer seguido.

A partir daí, a história de Bruni foi uma sucessão de euforia e depressão alimentar, com pratos mirabolantes, dietas idem e artifícios para disfarçar os quilos extras. Uma trajetória com direito a dieta do dr. Atkins, bulimia e jejuns prolongados.

Bruni narra com honestidade aquele sentimento próprio de quem posterga a dieta para a próxima segunda e vive comendo qualquer coisa porque não tem rotina, mas tem prazos constantes a cumprir. A aparência era sua principal preocupação.

Quando finalmente abandonou as soluções mágicas e apostou na tradicional receita de porções controladas e atividade física, perdeu peso e em seguida foi convidado para trabalhar como crítico.

Em pouco tempo, Bruni descobriu que a vida de crítico requer organização e método. Ele fazia reservas e pagava as contas com nomes e cartões falsos. Ainda assim, foi reconhecido algumas vezes por conta da farta troca de informações entre cozinhas de renome.

"Colocavam minha foto na cozinha e ofereciam gratificação para o funcionário que me reconhecesse. Quando era flagrado, divulgavam o nome e o telefone que usei para outros restaurantes. É similar a um daqueles programas sobre o FBI onde aparecem os perfis dos serial killers", brinca.

Para Bruni, é importante tentar se manter incógnito, mesmo que depois de um tempo isso se torne virtualmente impossível. Após ter sua foto divulgada, o crítico que o sucedeu já tirou do ar as que tinha no Facebook e no jornal.

A principal resposta negativa a seu trabalho veio de Jeffrey Chodorow, dono de restaurante que não ficou satisfeito com a nota recebida. Além de reclamar, ele pagou pela publicação de uma carta ao lado da crítica de Bruni desancando o jornalista.

Após o entrevero, Bruni foi obrigado a seguir disfarçado para o novo restaurante de Chodorow, que havia ameaçado expulsá-lo se o visse. No dia a dia, diz que não há como manter a rotina de homem dos mil disfarces. "Você gasta energia demais em algo que não é o mais importante."

Na luta por uma boa avaliação, vale tudo para os donos de restaurantes de NY. Um deles mandou uma carta da mãe contando agruras e pedindo uma boa nota. Outro, ao reconhecer Bruni, começou a mostrar as fotos dos filhos, dizendo que o futuro deles dependia do comentário do crítico.

Bruni diz que é preciso colocar o leitor em primeiro lugar. "Essas pessoas tomam decisões que envolvem dinheiro com base no que escrevia. Um bom jantar para dois em Nova York pode sair por US$ 150 a US$ 250 [R$ 270 a R$ 450]", disse.

Na primeira semana após deixar a vaga, Bruni disse que só sentiu alívio ao perceber que não há ninguém olhando com desespero sua reação enquanto come. Ele passa agora a escrever na revista de domingo do jornal.

O ditado da avó já ficou no passado. "Penso que você pode mudar. Hoje tenho uma relação saudável com a comida, tenho de trabalhar todos os dias para mantê-la", resume.

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