quarta-feira, 23 de setembro de 2009



23 de setembro de 2009 | N° 16103
JOSÉ PEDRO GOULART


Piquet e o circo

Nas palavras de minha mãe, meu pai era um bon vivant. Demorei para entender o que isso queria dizer. Quando caiu a ficha já era tarde: nunca me vi com capacidade de aproveitar a vida do mesmo jeito que ele, um gozador. Aliás, defino meu pai e minha mãe da seguinte forma: ambos roncavam, mas só o meu pai não se importava com isso.

O bon vivant é carismático, simpático, tem sempre um monte de gente na volta. Outra característica de um bon vivant é pedir grana emprestada sem cerimônia; e frequentemente esquecer o compromisso. Mesmo assim, sempre tem alguém disposto a lhe alcançar algum novamente.

Eu, que faço parte do grupo que reclama de ronco, tenho a impressão que passei toda a vida emprestando dinheiro ao meu pai. De maneira que não foi surpresa o sonho que tive depois que ele morreu. Nesse sonho eu recebi uma ligação telefônica dele do “outro” lado. E a ligação – juro, não estou inventando – era a cobrar.

Tudo se resume a pais e filhos. Ou não? Agora mesmo o Nelson pai resolveu incendiar o circo da velocidade: pôs na roda a história de que o Nelson filho bateu de propósito com o propósito de ajudar o Alonso a ganhar. Tudo isso planejado pelo capo dei capi, Briatore.

Há, além da enorme falcatrua, uma outra questão: o fracasso. Schumacher, Sena, Prost jamais ganhariam atestado de nobreza, mas foram supercampeões. O gol de mão do Maradona foi legalizado pela história. E por quê?

Porque ele fez um outro em que driblou o time inteiro da Inglaterra e ainda levantou a taça. O busílis é que o Nelsinho Piquet só perdeu na Fórmula-1, o fracasso o condena duplamente. Aos perdedores, as batatas.

Foi demais para o Nelsão: um Piquet perdedor e ainda escorraçado como um cachorro sarnento? Sendo ele um conhecedor de cada pódio do planeta, um cara conhecido pela audácia nas pistas e no tratamento com donos da bola. Essa não. Que fosse servido o prato gelado da vingança; mesmo que sobre ele estivesse a cabeça do próprio filho.

A vida já é suficientemente difícil sem uma figura paterna que faça sombra. Quanto da atitude de Nelsinho não terá sido tomada no afã de conseguir algo que fizesse jus à tremenda expectativa do pai?

Percebo que muitos tem o Nelson Piquet nesse episódio como “o justo”, mas para mim ele é um pai que – por vaidade – mostrou ao mundo o quanto o filho é um bunda mole. Nem todos tem a sorte de ter um bon vivant à cabeceira da mesa.

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