terça-feira, 22 de setembro de 2009



22 de setembro de 2009 | N° 16102
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Do visual e do tempo

Esses dias, alguém me atribuiu menos idade do que realmente tenho. Não fez isso por simples gentileza, nem para mostrar-se delicada. Falou por pensar que estava certa. Tratei logo de revelar-lhe meu calendário pessoal e intransferível e não se cuidou mais do assunto.

À noite, em casa, no entanto, ouvindo Brahms em coquetel com um cálice de vinho, me dei conta de que não era a primeira vez que se enganavam com o número de setembros que carrego. Talvez isso se deva à pouca pressa com que raros fios brancos vão invadindo a cobertura de meu cérebro. Talvez se deva à ausência de rugas que vem me poupando o rosto.

Nada disso é realmente importante. Tive um avô que morreu com a bíblica idade de 105 anos e contudo aparentava duas décadas menos. Não quero viver 105 anos, prefiro não ultrapassar os 104, mas isso é apenas um devaneio. O que não quero é chegar a algum algarismo avançado havendo perdido a lucidez acerca dos seres e das coisas, o que, aliás, não sucedeu com meu avô.

Tenho, nesta sala, fotos de meus ancestrais. Creio que me fitam com alguma desaprovação. Enquanto seus rostos são vincados daquela inquietude com que as criaturas de antanho fixavam-se nas máquinas fotográficas, eu desafio pacificamente meu incerto futuro, posando tranquilo com meu neto. Ambos sorrimos, ambos não receamos o amanhã.

Suponho que sejamos, os dois, colecionadores de momentos. Há pessoas que juntam moedas, selos, desilusões. Meu neto e eu, neste retrato, reunimos instantes. É a melhor maneira de singrar a vida: armazenando os segundos, desfrutando-os intensamente, degustando-os sem pressa.

É disso que se tece a existência. É dela a calma, pacífica consciência de que os minutos e as horas se sucedem não pelo tempo que passa, mas pelo que nele construímos.

Quanto ao visual, é um trivial acidente. Algum dia a neve branqueará meus cabelos. Não devo me preocupar nem por isso, nem pelos vincos que se desenharem em meus traços, como nos de meus antepassados.

Não é isso realmente o que conta. O que vale é a íntima noção de que a jornada de cada um de nós se delineia menos pelo espaço que compreende do que pela felicidade com que a compomos.

Well, ainda que eu esteja na Capital Federal de meu País, tem uma pessoinha numa cidadezinha pequena que está de folga hoje e para quem desejo uma òtima folga. Primavera começa às 18 horas por ai e foi-se o inverno.

Que seja primavera lá fora e dentro de cada um de nós. Uma ótima terça-feira.

Nenhum comentário: