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sábado, 12 de setembro de 2009
13 de setembro de 2009
N° 16093 - MOACYR SCLIAR
O pianista de restaurante
Na Bienal do Livro de Curitiba, fiquei hospedado em um bom hotel, bem situado e com alguns toques sofisticados. No restaurante havia um pianista, que, diferente do costumeiro, começava a manhã cedo: eram 8h e ele já estava ali, tocando piano. Enquanto tomava o café da manhã, fiquei a escutá-lo e a observá-lo.
Era um homem ainda jovem, no início de uma carreira claramente incerta. Executava, com muita emoção e arte, uma peça clássica, ainda que acessível. Mas, obviamente, ninguém o ouvia. As pessoas estavam se servindo, ou estavam comendo, ou estavam conversando. A música do pianista era apenas uma espécie de pano de fundo, mas um pano de fundo muito discreto, muito distante.
Ao que ele, obviamente, se resignava. Afinal, tinha sido pago para tocar piano num restaurante, e era o que fazia, tocava piano num restaurante. Mesmo os pianistas precisam comer (e não devem ter sido poucos, no passado, os pianistas de restaurantes mais humildes pagos com um prato de comida). Mas certamente não é a melhor plateia.
O público de um concerto costuma ouvir atentamente o artista, às vezes com enlevo, às vezes com arrebatamento, aguardando o momento de aplaudir de pé. Forma-se uma espécie de corrente mágica entre as pessoas e o pianista. Não era o caso ali.
Muitas vezes me perguntei como se sente um pianista (e é sempre um pianista, nunca um violinista ou um flautista: o piano é um instrumento que impressiona mais) numa situação dessas. É pior que a situação dos músicos que tocam na rua ou no metrô. Estes, pelo menos, atraem a atenção de algumas pessoas, e podem até contar com o apoio de umas poucas moedas colocadas num chapéu ou na caixa do instrumento.
O pianista de restaurante nunca sabe se o que toca encontra eco. Sim, às vezes pessoas um pouco mais gentis ou generosas aplaudem-no; mas é antes a exceção do que a regra.
A regra é a indiferença, e às vezes até o perigo: naqueles bares de faroeste sempre havia um aviso: “Don’t shoot the pianist”, não atirem no pianista. E em letras menores: “He’s doing the best he can”, ele faz o melhor que pode, um patético pedido de desculpas.
Para quem toca o pianista? Boa pergunta. Talvez toque para seus pais, que um dia sonharam ver o filho como concertista famoso. Talvez toque para o professor que lhe ensinou tanta coisa. Talvez toque para a esposa, se é casado, talvez toque para o filho pequeno.
Talvez toque para o amigo (e/ou rival) pianista, com quem trocava ideias, críticas, sugestões. Talvez toque para Beethoven, ou Debussy ou Rachmaninoff. Talvez toque para o piano. Sim, para o piano, o fiel amigo que nunca o abandona, que lhe compreende, que responde à sua paixão com a música que o arrebata.
O pianista de restaurante não está sozinho. Ele partilha seu destino com muitos outros artistas, e cientistas, e escritores, forçado a usar seu conhecimento, sua arte, para ganhar algum dinheiro: a distância que vai dos sonhos e dos ideais à realidade. Destino melancólico? É o que parece, para quem ouve.
Mas pode ser que o pianista esteja realizando um sonho que a nós pareceria absurdo: o sonho de tocar exatamente num restaurante, não em outro lugar, o som dos talheres e o zum-zum da conversa compondo com o piano uma inesperada harmonia orquestral.
Ou o sonho de um dia fazer com que, ao final do concerto, os comensais do restaurante se ergam e, arrojando para o lado os guardanapos, peçam um entusiasmado bis.
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