terça-feira, 15 de setembro de 2009



5 de setembro de 2009 | N° 16095AlertaVoltar para a edição de hoje
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Uma tarde na fruteira

Para mim, a primeira sugestão que vem com a palavra “fruteira” é a figura do Seu Elias, que na minha infância era o dono da fruteira da minha zona – um quilo de banana, uma alface novinha, uns tomates firmes (adjetivo que a minha mãe usava para solicitar meu serviço de busca, naquele tempo em que desde guris a gente andava na rua).

Posso até conceber passar uma tarde na fruteira, mas não seria nada fácil, porque o espaço era pouco, o ambiente meio abafado e com pouca luz, tudo compensado pelo sorriso do Seu Elias. Isso tudo antes de aparecerem os japoneses que abriram a luminosa fruteira Yamato, na esquina.

Mas não se trata disso no caso do genial CD do Júpiter Maçã chamado Uma Tarde na Fruteira. Para falar a verdade, nem sei bem qual é a da fruteira nesse título – seria, como me sugeriu o Guto Leite, aquela que fica sobre a mesa, posando para uma natureza-morta? Ou seria nada, apenas uma piada, uma vizinhança inusitada entre o tempo e o espaço, tarde e fruteira?

Pode ser sim, apenas mais uma camada de brincadeira misturando psicodelia e bom humor, como é comum aparecer na obra do cara e é um dos motivos de seu valor. Sem brincadeira nenhuma: estamos falando de um artista valioso, um dos sujeitos que já fez a sua parte para marcar época, para explicar e para complicar, como é da natureza da arte fazer.

Participou de várias bandas relevantes e compôs canções excelentes, nos últimos 20 anos (rockeiro oitentista contando a carreira em décadas é sinal de quê?), e chega neste CD a um ponto de total maturidade dos meios expressivos.

Certo que neste mundo do rock, em que transgressão e mercadoria andam de mãos dadas, muitas vezes gatos e lebres nascem do mesmíssimo ventre. Mas pode crer que o Maçã (e o Apple, seu gêmeo) é de primeira ordem.

O que tem ali dentro, como sempre é em música, só ouvindo: brincadeira tropicalista sem ranço nem saudade, blague com a seriedade transgressiva, melancolia, paródia, comentários sobre Porto Alegre, os paulistas e namoros, misturas e misturas, mas com ironia o tempo todo, e isso é que realmente salva e potencializa o conjunto, no caso dele.

Tem faixas imperdíveis, de ouvir várias vezes para continuar na mesma vibração e prolongar o gozo, como A Marchinha Psicótica do Dr. Soup, que abre com uma declaração de intenções (“Antes de nada eu gostaria de explicar / Segue agora um mosaico de imagens mil / Chamado a marchinha psicótica de dr. Soup”),

ou como a mais linda de todas, Beatle George, uma paródia que é mais George Harrison do que se ele mesmo a tivesse composto em dia de bom humor (“Ah, ainda foi parar aquele menino que queria cantar como o Beatle George?”). Vale cada pila investido.

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