terça-feira, 15 de setembro de 2009



15 de setembro de 2009 | N° 16095
MOACYR SCLIAR


Leiam a bula

Amigo meu passou as férias num lugar paradisíaco, mas remoto, um lugar onde não havia livros, nem jornais, nem revistas. Na volta, queixou-se: “No fim, eu já estava até lendo bula de remédio”.

Queixa que tinha fundamento. Bula sempre foi vista como coisa chata, incompreensível, e difícil de ler. Com a bula, a indústria farmacêutica teoricamente cumpria a obrigação de informar as pessoas, mas numa linguagem técnica, linguagem de manual médico.

O diminuto tamanho das letras correspondia à fórmula usada em contratos, naqueles itens que representam risco para o cliente. Algo similar, aliás, acontece com os anúncios de rádio ou tevê.

Não há quem consiga dizer a frase “Se os sintomas persistirem, o médico deve ser procurado”, ou “Se beber, não dirija” mais rápido que os locutores de anúncio. Os anunciantes podem alegar que o tempo de tevê e de rádio é muito caro, mas isto, pelo jeito, só vale para a advertência obrigatória, não para o anúncio propriamente dito.

Agora, uma portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária dá uma colaboração importante para melhorar as bulas. A letra ficará maior; mais informações serão proporcionadas, e numa linguagem mais simples.

Agora, as pessoas podem ler a bula; e as pessoas devem ler a bula. Não é leitura amena; a parte que se refere aos efeitos colaterais certamente causará preocupação. É bom que cause preocupação. Não há medicamento inócuo; e, de outra parte, brasileiro toma remédio demais. Jovem médico, fui trabalhar num posto da Previdência Social.

O chefe deu-me um único conselho (uma ordem, melhor dizendo): “Não me deixes ninguém sair sem receita. Esse pessoal acha que sem receita não há atendimento”. Agora, o detalhe curioso: no fim do dia, eu ia olhar a sarjeta da rua em frente ao posto, e ali estavam, amassadas, várias de minhas receitas. O que acontecia? Simples: as pessoas não tinham dinheiro para comprar os remédios. Mas, como dizia o chefe do posto, queriam receita.

Precisamos substituir a cultura do remédio pela cultura da saúde. E saúde é, em primeiro lugar, boa informação. As novas bulas cumprirão um papel importante neste sentido, alertando as pessoas para o fato de que, muitas vezes, o melhor remédio é não tomar remédio.

Em relação à faixa de segurança, o caso de Brasília é exemplar. Em 1997, depois de uma série de graves acidentes, o governo decidiu agir. Policiais obrigavam os motoristas a parar quando pedestres atravessavam a faixa, pesadas multas foram introduzidas.

O número de óbitos no trânsito diminuiu 40% em relação ao ano anterior. O respeito à faixa de segurança foi incorporado à cultura do trânsito como uma questão de civilidade, de comportamento digno.

A prefeitura de Porto Alegre agora lança uma campanha nesse sentido. A conscientização terá como instrumento o braço estendido com a mão espalmada, um sinal de que o motorista deve parar. Será interessante comparar os efeitos das duas medidas (que, notem, não se excluem). É possível que o gesto seja mais poderoso do que a multa. Será uma evidência de que o país mudou para melhor.

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