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sexta-feira, 11 de setembro de 2009
11 de setembro de 2009 | N° 16091
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (INTERINO)
Pablo e os sabiás
Quem ouve Adriana Varela cantando Malena está preparado para qualquer coisa na vida. Sant’Ana ouviu a argentina na madrugada de ontem. Ouviu uma vez, pediu para ouvir de novo. E resmungou um ensaio de choro bom.
Falava com Sant’Ana ao telefone quando ele começou a cantar Malena. Decidi surpreendê-lo e deixei Adriana cantando ao fundo, com aquela voz de rasgar almas. Pablo e Adriana cantando Malena às cinco da madruga. Nem os sabiás entenderam.
Pablo deve estar sendo operado agora de manhã, quando você lê este texto. Ontem, quando o telefone tocou, ele foi logo anunciando que estava em vigília e em delírio pré-operatório. Eu disse que ainda estava em alfa. Mas fomos tateando uma conversa, tricotando coisas sem nexo. Um em vigília e o outro ensonado. E foi então que Pablo começou a cantar. Atacou de Gardel com Volver:
Volver... con la frente marchita/ las nieves del tiempo platearon mi sien/ sentir que es un soplo la vida, que veinte años no es nada/ que febril la mirada, errante en las sombras/ Te busca y te nombra/ vivir con el alma aferrada/ a un dulce recuerdo /que lloro otra vez.
E depois cantou Malena:
Malena canta el tango/ como ninguna/ y en cada verso pone/ su corazón/ a yuyo del suburbio/ su voz perfuma/ Malena tiene pena/ de bandoneón.
Confessou:
– Eu gosto mais de tango do que de samba. E eu sei 2.300 sambas.
E pediu licença para delirar mais um pouco:
– A vida é a arte do encontro, disse Vinicius. A vida não é a arte do encontro. A vida é a arte da despedida. A vida de Pablo tem sido a arte da despedida. Quando eu me despeço das pessoas, aí é que eu vivo.
Lembrou que Noel Rosa compôs Conversa de Botequim aos 23 anos. Disse que o Grêmio é a razão da sua vida:
– Eu nasci em Zero Hora falando só de uma coisa, do Grêmio. Eu era o chato homem de um assunto só.
E declamou Aos Sinos, do Bilac:
Plangei, sinos! A terra ao nosso amor não basta.../ cansados de ânsias vis e de ambições ferozes/ ardemos numa louca aspiração mais casta / para transmigrações, para metempsicoses!
Pablo sabe tudo:
– Lia, lia, lia... aos 17 anos. Sei de cor o livro do Augusto dos Anjos.
Ah, os Versos Íntimos. Que venha então Augusto dos Anjos:
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável/ enterro de tua última quimera/ somente a ingratidão, esta pantera/ foi tua companheira inseparável!
E depois teve Felicidade, de Vicente de Carvalho:
Essa felicidade que supomos/ árvore milagrosa, que sonhamos/ toda arreada de dourados pomos/ existe, sim: mas nós não a alcançamos/ porque está sempre apenas onde a pomos/ e nunca a pomos onde nós estamos.
E teve Camões:
Se lá no assento etéreo, onde subiste/ memória desta vida se consente/ não te esqueças daquele amor ardente/ que já nos olhos meus tão puro viste.
E teve de novo o Augusto dos Anjos de Queixas Noturnas:
O quadro de aflições que me consomem/ o próprio Pedro Américo não pinta.../ para pintá-lo, era preciso a tinta/ feita de todos os tormentos do homem!
Pablo contou, salivando, que Olavo Bilac esteve certa vez em Porto Alegre e saiu a recitar pelos bairros. E então declamou Maldição:
Maldita sejas pelo ideal perdido/ pelo mal que fizeste sem querer/ pelo amor que morreu sem ter nascido/ pelas horas vividas sem prazer/ pela tristeza do que eu tenho sido/ pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
Pablo decidiu operar o ouvido para se livrar de uma labirintite. Nos últimos dias, vem cantando e declamando cada vez mais. Espanta medos com a poesia, por mais dilacerada que seja, ou talvez exatamente por isso. Pablo e os sabiás sabem quando devem cantar.
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