sábado, 26 de setembro de 2009



27 de setembro de 2009 | N° 16107
MOACYR SCLIAR


A foto no jornal

Como parte da renovação gráfica do Donna, as fotos dos colunistas agora aparecem em suas respectivas páginas. Ao menos no meu caso não é exatamente uma medida de natureza estética, mas cumpre-se assim uma função muito adequada à época em que nós vivemos.

É uma época que nem sempre brada, como as entusiastas plateias dos antigos espetáculos teatrais, algo como “O autor! O autor!”, mas que, de qualquer modo, quer saber quem escreveu aquele texto, que aparência tem essa pessoa. Curiosidade? Em parte sim, mas não só isso.

É também a ideia de que o texto e o autor se completam, que não se pode conhecer (ou avaliar) um, sem conhecer (ou avaliar) o outro. Autores anônimos, como aqueles que escreveram o Antigo Testamento, são uma impossibilidade. Até mesmo o pseudônimo, que foi usado por exemplo, por Machado de Assis na sua atividade jornalística, desapareceu.

No começo do século 20, fez enorme sucesso um escritor que se assinava B. Traven e que ninguém, mas ninguém mesmo, sabia quem era. B. Traven não dava entrevistas, não dava palestras, não ia a sessões de autógrafos, e nem mesmo falava com seus editores; quem o representava era um agente literário muito discreto.

Isso não impedia que fizesse enorme sucesso; um de seus livros, O Tesouro de Sierra Madre, foi levado às telas com o lendário Humphrey Bogart e foi um êxito.

Por fim descobriu-se que B. Traven era um marinheiro alemão chamado Ret Marut que, por causa de sua militância esquerdista, havia se refugiado no México. Agora: que diferença fez essa revelação? Nenhuma. O pseudônimo era perfeitamente aceitável.

Não mais. Autor tem de estar ao lado de seu livro, tem de dizer quem é, de onde veio, o que pretende. Isto, entre parênteses, corresponde a uma curiosidade compreensível. Transparência é uma palavra da moda, e ainda que às vezes a ânsia de desvendar segredos chegue ao voyeurismo do Big Brother, é, ao fim e ao cabo, uma manifestação do desejo de igualdade – uma coisa democrática, se vocês quiserem.

Que pode, no entanto, ter consequências inesperadas. Esses dias eu estava caminhando por meu bairro quando vi, jogada na calçada, uma página da Zero Hora. Não chega a ser uma coisa inesperada – bem que podíamos manter nossa cidade mais limpa –, mas o que me chamou a atenção foi o fato de que era a página do Donna com minha coluna e minha foto.

Será que alguém irritado tinha me arremessado pela janela? Não sei. Só sei que eu estava ali, no chão, meio mergulhado numa poça d’água. Quando voltei da caminhada a situação era ainda pior. Milhares, talvez milhões de pessoas tinham pisado naquela página de jornal. Àquela altura eu era, rigorosamente, um farrapo, um resíduo de autor.

Tudo bem. Textos não são eternos, o papel não dura para sempre, e o texto com a foto, que muitos considerariam uma massagem do ego, apresenta esses riscos. Talvez tenha sido por isso que os autores da Bíblia não se identificaram, nem posaram para fotos. Eles optaram pelo humilde conforto do anonimato. E foram recompensados por isso.

Agradeço as mensagens de Simone L. Berti, Dra. Mirna Brilman, Gia Faccin, Benhur Oliveira Bravo, Flavio da Rosa, Getulio Azambuja, Gustavo Schlottfeldt, Leda Bruxel, Alberto Oliveira. Como digo sempre: a melhor recompensa de quem escreve é ter leitores cultos e inteligentes.

Multimídia

* Será que alguém irritado havia me jogado pela janela? Não sei. Só sei que eu estava ali, no chão, meio mergulhado numa poça d’água

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