sábado, 12 de setembro de 2009



12 de setembro de 2009
N° 16092 - PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (INTERINO)


Um filme com final feliz

Faz um ano que o mundo quebrou. Até agora, não apareceu um grande filme que conte essa história. Mas aguardem, que teremos bons filmes sobre o Madoff e sua turma. Eu queria ver o George Clooney fazendo o papel do Estado, dos governos mobilizados parta tirar o mercado financeiro da lama.

Clooney é o cara para o papel. Nenhum ator fez tantos filmes políticos nos últimos anos quanto Clooney. Tem a vantagem de ser bonitão, forte e ao mesmo tempo terno. Seria o Estado perfeito, esse Estado refeito das bordoadas que levou durante décadas porque seria um estorvo às impetuosidades dos mercados.

Para interpretar o grande mercado financeiro, não imagino alguém com cara de escroque, com aquela cara do Bernard Madoff, o homem que aplicou o golpe de bilhões de dólares em aplicadores de todo o mundo.

Seria óbvio demais. Imagino Woody Allen no papel do mercado financeiro. Conversador, enrolador, divertido e neurótico, complexo e simplório. Um mercado freudiano, sempre transferindo culpas para os outros, para o pai, para o irmão ou para a tia que estiver por perto. Imagino uma mala nesse papel.

Os americanos já estão preparando esses filmes. Dependemos deles para entender nossas circunstâncias contemporâneas. Os europeus ficaram mirando o próprio umbigo, ainda são infantis e psicanalíticos. Os americanos, não. Ninguém enfia os dedos nas próprias feridas como a arte americana que está no cinema. Remexem cicatrizes de guerras, de taras, de ganâncias.

O cinema americano há muito não faz concessões ao conservadorismo moralista e aos desvios dissimulados em boas condutas e pretensos patriotismos. Não troco um filme médio americano por uma conversa fiada de francês existencialista com requintes de cinema intimista ou de arte. Só vejo cinema americano, filme brasileiro com a Luana Piovani e alguma coisa do humor do cinema inglês.

Queria ver um duelo do Clooney e do Woody Allen e imagino algo meio pastelão, meio mexicano, meio Mazzaropi, meio Tarantino. A primeira tomada mostraria um Woody Allen falastrão, confrontado com um Clooney silencioso, acossado, esfarrapado, com olheiras.

No final, um Clooney refeito, peito estufado, cheiroso, diante de um Woody Allen ainda metido, conversador e atrevido. Como aquele parente que pede dinheiro emprestado para toda a família porque está degolado e de repente aparece com um carro do ano e uma namorada nova.

Imagino um final com o Woody Allen jogando bônus para executivos do alto de um prédio de Nova York. Bônus caindo como papel picado. E o Clooney olhando tudo de uma janela, balançando a cabeça e fazendo cara de quem avisa: vai começar tudo de novo.

Outro final possível: o Woody Allen pedindo mais uns trocos ao Clooney para pagar o IPTU atrasado. Clooney enfia a mão no bolso e diz:

– É a última vez. Woody Allen o abraça com ternura. Na última imagem, Allen aparece em Las Vegas. De óculos escuros, com outro carro e outra namorada. Imagino, como se vê, um filme com final feliz.

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