sábado, 19 de setembro de 2009



20 de setembro de 2009 | N° 16100
MARTHA MEDEIROS


Adeus ao sanduíche

Sempre achei pouco original jogar as cinzas de um ente querido no mar, fosse velejador, pescador, surfista ou jangadeiro. Sei que é um ato de significado nobre: o mar é o representante mais majestoso da natureza e da liberdade, mas mesmo eu também sendo maluca por praia e seus derivados, acho que jogar cinzas no mar virou lugar comum.

Devo ter falado essa bobagem em voz alta alguma vez, porque lembro de me perguntarem: então onde você gostaria que jogassem as suas? A resposta veio clara e límpida como as águas do Caribe: no Sanduíche Voador.

Pra quem não mora em Porto Alegre, ou mora, mas não frequenta o bairro Moinhos de Vento, Sanduíche Voador é o nome de um bistrô que foi inaugurado há uns 20 anos num trecho minúsculo de rua, tendo como vizinha a Praça Mauricio Cardoso, um dos recantos mais charmosos da cidade. O Sanduíche, como os íntimos sempre o chamaram, foi um dos precursores das mesas e cadeiras na calçada.

Nunca teve um cardápio muito variado, mas o pouco que se oferecia era de primeira linha, e elegi como meus favoritos o risoto de camarão e o filé de peixe com uma crosta de mel em cima, qual era mesmo a receita?

Sua decoração era singela, os atendentes eram discretos e simpáticos, e as mesas próximas umas das outras induziam a conversas em voz baixa. Tudo isso dava ao lugar um aspecto delicado, e delicadeza está em extinção, como se sabe.

Quase todo mundo tem um bar da juventude, um lugar que frequentava na adolescência, um pequeno restaurante de estimação, algum espaço que, mesmo tendo fechado as portas, ficou para sempre na memória afetiva.

Eu tive o Chalé da Praça XV, aonde ia seguidamente na época em que comecei a trabalhar em propaganda, no Centro. Depois tive a fase do bar do IAB, também no Centro, com sua livraria, seus bolinhos de queijo trazidos à mesa pelo Genésio, e o micropalco, onde assisti a vários músicos gaúchos e o histórico grupo de bonecos Cem Modos. O Barranco não conta porque o Barranco é de todas as fases, e sempre será.

Aí passou um tempo e surgiu o Sanduíche Voador com sua proposta inicial de tele-entrega de sanduíches, mas que rapidamente virou point e conquistou uma clientela cativa, mas cativa a ponto de você ter certeza de que encontraria fulano ou sicrana em qualquer noite da semana, como o arquiteto Ari Lyra ou a médica Aninha Pasqualini. Nunca fui ao Sanduíche sem que eles estivessem lá, e eles também deviam pensar que eu mantinha um quartinho nos fundos da cozinha.

Foi no Sanduíche que comemorei com toda a trupe liderada por Irene Brietzke o sucesso das peças Trem-Bala e Almas Gêmeas – tantas vezes que as peças já nem estavam mais em cartaz e a gente continuava brindando. No Sanduíche, jantei dezenas de vezes com Leticia Wierzchovski, Claudia Tajes e Paula Taitelbaum nos nossos saudosos encontros mensais.

Almocei muitos sábados com turmas diversas e também a dois, levei muitos amigos de fora para conhecer o “meu” restaurante e, imprudente, troquei várias confidências com amigas mesmo havendo mesas coladas à nossa.

Era para o Sanduíche que eu corria depois de sessões de autógrafos ou das sessões de cinema, e uma curiosidade: foi lá que encontrei Washington Olivetto jantando um dia antes de ele ser sequestrado em São Paulo.

Li no jornal que o Sanduíche fechou. Não existe mais. Tentei lembrar a última vez que lá estive, mas é difícil reconhecer nossas últimas vezes, e talvez seja melhor assim.

Mas o fato é que eu sobrevivi, e o Sanduíche não. Metaforicamente, ele merecia ter suas cinzas jogadas em alguma bucólica ruazinha de Paris. Já as minhas, talvez agora seja o caso de me render ao mar, em homenagem ao risoto de camarão e ao filé de peixe.

Um lindo domingo para você - Um ótimo início de semana - Na semana que vem estarei postando de Brasília, onde passarei a semana.

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