sábado, 5 de abril de 2008



06 de abril de 2008
N° 15563 - Luis Fernando Verissimo


Participativo

O telefone não pára de tocar. Passam-se alguns minutos e a platéia começa a ficar impaciente.

Finalmente, alguém se levanta e sobe no palco

Idéia para uma peça. O cenário é a sala de visitas de um apartamento requintado. Alguns detalhes da decoração nos informam que estamos no fim dos anos 40, começo dos anos 50, por aí. Numa mesa ao lado do sofá vê-se um telefone da época. Quando abre o pano, o cenário está vazio e o telefone está tocando. E tocando, e tocando, e tocando, e tocando.

Nada acontece. Ninguém aparece em cena. Passam-se quatro, cinco, seis minutos, o que for preciso para que a platéia comece a se impacientar. O telefone não pára de tocar. Finalmente, alguém se levanta na platéia e sobe no palco. É uma mulher. Ela dirige-se à platéia.

MULHER - Desculpe, gente, mas eu não posso ouvir um telefone tocando desse jeito sem atender. É um, sei lá. Uma mania minha. Uma neurose. Sei lá. Eu vou atender esse telefone.

Um homem se manifesta na platéia.

HOMEM - Margarida, volta aqui.

Mas a Margarida já está se dirigindo para o sofá.

MARGARIDA - Eu sei, Euclides. Mas eu não consigo. Eu não agüento. Só vou... (Ela senta-se no sofá, levanta o fone e leva ao ouvido) Alô? Sim. Eu... Desculpe, viu? Mas... Não, eu não sou ninguém. Eu não sou da peça, sou da platéia. É que o telefone não parava de tocar e eu não consigo... Como? Margarida. Mas olha, eu não sou da peça, não.

Eu só vim ao teatro com o meu marido e... Como? Euclides. Nós nem sabíamos que tipo de peça ia ser. O Euclides até estava com medo que fosse coisa experimental, vanguarda, essas coisas, que ele não gosta. Ele diz que sempre aparece alguém nu pra sentar no colo dele. Só gosta de comédia, quanto mais boba melhor.

Eu disse vamos que é comédia. O quê? Não, atendi porque é uma mania minha. Uma neurose. Sei lá. O telefone não parava de tocar, não aparecia ninguém e eu... Desculpe se... Como? Ficar aqui?!

O pano começa a se fechar.

MARGARIDA - Espera! A cortina está fechando. Eu não quero...Euclides!!!

O pano se fecha por completo. Depois de alguns minutos, o Euclides sobe no palco. Dirige-se à platéia.

EUCLIDES - Desculpe, pessoal. Eu preciso...(Ele vira-se para cortina e chama, primeiro baixinho e depois mais alto:) Margarida... Margarida!

Euclides tenta espiar pela brecha da cortina. Subitamente, é puxado violentamente para trás da cortina e desaparece. Minutos depois, abre o pano outra vez. Euclides está sentado no sofá, com uma cara assustada. Margarida está espanando os objetos da sala, vestida de empregada. Uma empregada de teatro de revista, saiote curto com aventalzinho e as pernas de fora.

EUCLIDES - Margarida...

MARGARIDA - Margarida, não, doutor. Margaret. EUCLIDES - Margaret?

MARGARIDA (cochichando) - Não faça perguntas, Euclides.

O telefone toca. Margarida vai atender.

EUCLIDES - Não atenda!

MARGARIDA (cochichando) - É da peça, Euclides. É da peça. (Com voz normal, atendendo o telefone:) Alô? Não, a patroa não está. Foram para Petrópolis. Ela e o marido, não. Ela e o amante. É, casal moderno.

Euclides levanta do sofá e tenta puxar Margarida pelo braço.

EUCLIDES - Margarida, vamos embora. Nosso lugar não é aqui.

MARGARIDA (ao telefone) - O cornu... Quer dizer, o doutor? Está aqui sim senhora. (Para Euclides:) Quer me largar? (Ao fone:) Não, é que quando a madame não está o doutor não sabe o que fazer com as mãos. (Para Euclides, tapando o bocal do telefone:) Você não queria uma comédia, Euclides? Pois isto é uma comédia. Me larga!

EUCLIDES - Isto é teatro de vanguarda. Teatro participativo. Eu sei. Não demora aparece um...

Nisso, entra em cena um mordomo. Só se sabe que é um mordomo porque usa um colete de mordomo e carrega um drinque numa bandeja, pois está nu da cintura para baixo.

MORDOMO - Seu uísque das seis, doutor. EUCLIDES - Eu não disse?!

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