sábado, 5 de abril de 2008



06 de abril de 2008 | N° 15563
David Coimbra


Quero a minha mulher de volta!

Era uma voz de homem forte fisicamente. Alguém dirá que não há como saber se um homem é forte fisicamente apenas ouvindo sua voz por telefone, mas Denzel teve certeza: aquela era uma voz de homem forte e, mais grave, perigoso.

De um homem violento. Pior ainda foi o que a voz disse. Uma única frase, sussurrada com raiva, como se ele falasse entre dentes rilhados:

- Quero minha mulher de volta!

Denzel olhou para os lados. Estava sentado atrás de sua mesa na assessoria de imprensa do clube. Seus cinco colegas continuavam concentrados, cabeça baixa. Não devia ser um deles. Que brincadeira era aquela? Ao mesmo tempo, sabia que não se tratava de brincadeira. Não era esse o tom.

- Alô? - perguntou, sem saber exatamente como reagir.

E a voz repetiu:

- Quero minha mulher de volta!

Denzel ficou em silêncio. Não sabia o que dizer. Ouvia a respiração do homem no outro lado da linha e, enquanto isso, vasculhava o cérebro em busca de uma pista que resolvesse o mistério. Um marido que queria sua mulher de volta. Logo, era um marido que tivera a mulher roubada. Um corno.

E, muito provavelmente, forte. Havia ligado para Denzel por acreditar que ele, Denzel, lhe roubara a mulher. A coisa era com Denzel mesmo, porque o homem não perguntou quem atendera ao telefone, não vacilou, simplesmente disse que queria a devolução da mulher dele.

Denzel sentiu-se enrubescer. Já tivera casos com muitas mulheres na vida, algumas delas casadas. Apreciava as casadas, geralmente mal-assistidas por maridos enfarados de ter todos os dias a mesma mulher. Denzel se especializara em satisfazê-las plenamente, em fornecer-lhes orgasmos e sensações que os maridos não tinham mais energia nem disposição para oferecer.

Só que, atualmente, Denzel não mantinha intercurso com nenhuma casada. Era uma época de vacas magras, definitivamente. Assediava muitas mulheres, mas nenhuma se entusiasmava com suas propostas.

Estaria cercando alguma mulher casada, e essa mulher casada se apaixonou, e disse para o marido que estava apaixonada por ele, e deixou o marido?

Seria isso? Não podia... Ultimamente, não notava interesse de nenhuma mulher por ele, casada, noiva ou solteira. Que mistério... Quando Denzel perguntou, enfim, "quem está falando?", o homem forte desligou o telefone.

Tentou pensar no trabalho e esquecer aquilo, mas, no fim da tarde, o telefone tocou novamente e a mesma voz raivosa disse:

- Quero minha mulher de volta!

- Quem está falando??? - perguntou Denzel, nervoso.

O homem gritou:

- QUERO MINHA MULHER DE VOLTA!!!

E desligou.

Denzel foi para casa aborrecido. Chato aquilo. Um engano, certamente. Ou seria algum corno do passado? Em casa, Denzel não conseguia tirar a voz do sujeito da cabeça. Pior foi quando, perto das onze da noite, o telefone tocou, Denzel atendeu e:

- Quero minha mulher de volta!!!

Desta vez, foi Denzel quem desligou. O desgraçado conhecia o número da sua casa. Sabia onde ele morava! Denzel não estava seguro. Oh, não estava!

Não dormiu aquela noite. Foi conciliar o sono já de manhã, e teve pesadelos com cornos armados. Cornos de bigode, que, todos sabem, são os piores tipos de corno.

Depois de acordado, o pesadelo continuou. Nos dias seguintes, durante o dia inteiro, o homem misterioso ligou, repetindo, cada vez com mais agressividade:

- Quero minha mulher de volta! Quero minha mulher de volta!!!

Denzel não trabalhava mais, não saía com os amigos, não fazia mais nada a não ser pensar naquela voz. Só pensava na voz. A cada dia, convencia-se de que a conhecia. Era a voz de alguém próximo, muito próximo...

Acabou descobrindo. Estava acompanhando o treino do time. A bola saiu e o zagueiro Churrasco, justamente o zagueirão Churrasco, ninguém menos do que ele, estendeu o braço e pediu para um jogador da equipe reserva que pretendia cobrar o lateral:

- Quero a bola de volta.

O reserva passou-lhe a bola, engolindo em seco. Pudera. Churrasco elevava-se a mais de metro e noventa, era um mastodonte dentro da grande área. Chamavam-no de Churrasco exatamente pelo que ele costumava fazer com os atacantes inimigos. Denzel fincou dois olhos arregalados em Churrasco e balbuciou:

- Não... não... não... o Churrasco, não...

Nada era menos saudável do que ter o Churrasco como inimigo. Denzel pensou na mulher do Churrasco. Aline. Uma loirinha. Magra, não muito alta, mas com bom corpo, curvas suaves, pele macia. Claro que Denzel a achava atraente, mas jamais se atreveria a assediá-la. Não, sendo ela quem era: a mulher do Churrasco!

O que estaria acontecendo? Denzel decidiu tirar a coisa a limpo, esclarecer a situação, deixar patente que nunca sequer se aproximara de Aline. Mas não tinha coragem de falar com o Churrasco. Ah, não. Ia falar com ela. Será que ela confundiu algo? Alguma atitude dele? Era uma possibilidade... Feita a confusão, podia ter dito qualquer bobagem a Churrasco e ele se enfureceu e começou a persegui-lo.

Denzel não esperou para tentar resolver o problema. Não agüentava mais tanta pressão. Naquele instante mesmo, abandonou o trabalho, saiu correndo do clube e pegou o carro. Foi para a casa de Aline. Acabaria com a confusão. Dormiria tranqüilo naquela noite.

Ao chegar ao prédio, tocou no interfone, anunciou-se e disse que queria falar com ela.

- Sobe - ordenou ela, tão-somente.

No elevador, Denzel chegava a ouvir seu coração ribombando no peito. Seria uma boa idéia, aquilo? Bem, parecia-lhe a única atitude a tomar. Bateu à porta e ouviu a voz de Aline gritar do outro lado:

- Espera só um minutinho.

Aquele único minuto transcorreu como se fosse uma hora. Denzel já pensava em desistir, em ir embora, quando a porta se abriu e, atrás dela, surgiu Aline enrolada em uma toalha pequena e felpuda, sobre sapatos de salto alto, sorrindo um sorriso faiscante de promessas.

- Entra, Dennnzelll - ciciou.

Denzel entrou, perplexo, para viver as duas horas mais loucas de sua vida.

A partir daquele dia, as ligações cessaram. A partir daquele dia, Denzel tornou-se um homem realmente feliz.

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