RUTH
DE AQUINO
Em memória de Eliza
É um
tapa na cara das mulheres a punição de mentirinha imposta ao goleiro Bruno. Antes
capitão adorado do Flamengo, hoje Bruno é mais um ídolo dos assassinos covardes
e cínicos. A condenação esperada para o homicídio, sequestro e cárcere privado
de Eliza Samudio era de 28 a 30 anos de prisão. A sentença final, de 22 anos e
três meses, seria condizente com o crime hediondo se fosse toda cumprida. Mas a
lei brasileira – ah, a lei... – pode deixar Bruno livre, leve e solto para
churrascos e peladas daqui a menos de três anos. Quem sabe um contrato com um
clube?
A
confissão tardia reduziu a pena. O trabalho e o bom comportamento na cela
livrarão Bruno do cárcere com pouco mais de 30 anos de idade. Ele, que deu festão
no dia seguinte ao homicídio, posou de triste e acabrunhado para o país no
julgamento desta semana. Durante anos, repetiu que não havia crime: “Torço para
que ela possa aparecer viva”. Agora, orientado pela defesa, confirmou que sabia
de tudo: “Eu sabia e imaginava”. Bruno “imaginava” que a ex-amante e mãe de seu
filho Bruninho seria sequestrada, enforcada, esquartejada e jogada aos cães?
A
sentença foi proferida na madrugada do Dia Internacional da Mulher. Não sou fã de
datas especiais para “minorias” – ainda mais porque somos maioria. Mas admito
que o 8 de março seja um bom pretexto para examinar estatísticas globais de
emprego, salário, jornada dupla e violência contra a mulher, como agressões,
espancamentos, estupros e assassinatos.
Segundo
a ONU, sete em cada dez mulheres no mundo sofrerão algum tipo de violência física
ou sexual ao longo da vida. É um número espantoso, amedrontador. Eliza, ao
engravidar de Bruno e exigir reconhecimento e pensão, candidatou-se a engrossar
as estatísticas da ONU. O Brasil é, no ranking mundial, o sétimo país em
assassinatos de mulheres. E ainda há quem ache que garota de programa merece
castigos assim: “Ela estava pedindo”.
Bruno,
hoje com 28 anos, tem uma conexão estranha com o Dia Internacional da Mulher. Na
véspera do 8 de março de 2010, o então supergoleiro do Flamengo, ídolo do time
com 33 milhões de torcedores, cotado para a Seleção, defendeu desastradamente
seu colega Adriano, que batera na namorada: “Qual de vocês nunca saiu na mão
com a mulher?
Não
tem jeito: em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Depois,
pressionado pela família e pelo clube, voltou atrás: “Peço desculpas a todos
pelo que foi dito. Tenho filhas e as amo muito. Todas as mulheres merecem
carinho”.
Aos 31
anos, Bruno poderá estar livre. Sua punição de mentirinha é um tapa na cara das
mulheres
O “carinho”
que o goleiro de 1,91 metro dispensou a Eliza teve vários capítulos. Primeiro,
ele tentou obrigá-la a abortar. Ameaçou-a. Eliza, grávida de cinco meses, foi à
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher no Rio, denunciou Bruno, pediu proteção
e foi gravada pelo jornal carioca Extra. “Ele me deu dois bofetões... Enfiou
uma arma na minha cabeça... E me disse: ‘Sou frio e calculista. Vou deixar a
poeira baixar e vou atrás de você. Se eu te matar e te jogar em qualquer lugar,
as pessoas nunca vão descobrir que fui eu’.”
Quase
um ano depois, Eliza foi levada para o sítio de Bruno, ficou em cativeiro e foi
morta com requintes de crueldade – o bebê escapou do mesmo fim por sorte ou
compaixão. Bruno foi para o campo do clube treinar e deu entrevista, riu. Disse
que Eliza sumira “para resolver questões pessoais”. Ainda se mostrou religioso:
“Deixei nas mãos de Deus, Deus sabe o que faz”.
Bruno
tinha certeza da impunidade. Estava errado. Não contava que seria traído por
primos e pelo amigo e cúmplice Macarrão. O comentário nas ruas era: “Como um
cara pode ser tão burro como o Bruno e jogar a vida no lixo?”. Burro é pouco,
muito pouco, para defini-lo. A juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues considera
Bruno “frio, violento e dissimulado”. Para ela, o crime foi “uma trama diabólica
meticulosamente calculada”. O maior exemplo disso foi o sumiço do corpo: “A
supressão do corpo humano é a verdadeira violência (...), um ato de desprezo e
vilipêndio”.
A mãe
de Eliza, dona Sônia, que hoje cuida do neto Bruninho, teme por sua vida e pela
do garoto, quando Bruno sair da prisão. Insiste em perguntar algo que ninguém
respondeu: “Onde está o que restou do corpo da minha filha? Meu neto vai
crescer e também vai querer saber”. Ela não acredita que os pedaços do corpo de
Eliza tenham sido consumidos por cães sem deixar vestígios. Ela quer ver e enterrar
o que sobrou da filha. Dona Sônia e Bruninho têm o direito de saber.
A
sociedade tem o direito de não gostar de que Bruno seja solto após sete anos de
prisão, como aconteceu com o ator Guilherme de Pádua. Ele matou a golpes de
tesoura a atriz Daniella Perez, filha de Gloria Perez, em 1992. Consolou a família
no enterro, mas saiu livre em 1999. Tudo de acordo com a nossa branda lei para
crimes tão perversos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário