quarta-feira, 11 de novembro de 2015


11 de novembro de 2015 | N° 18352 
PEDRO GONZAGA

AMOR ANTIGO


Os balaios. Aos 18, aos 20 anos, a Feira era para mim os balaios. Eu não descobrira então a permanência dos mesmos livros ofertados, das mesmas – embora diferentes – edições de massa com os sucesso do momento (já devem andar por lá as tantas gradações do cinza), dos mesmos clássicos escolares de capa dura que quase ninguém leu, das mesmas obras esquecidas de autores esquecidos (muitas vezes por injustiça).

Confesso, balaios, que, veterano para vossas seduções, não mais vos escrutino com olhos lascivos, pois não me escondeis mais vossos preciosos segredos, mas sei também que, se não há o encanto do mistério, o amor se anima com aquele sabor de reencontro que define o amor antigo, em que o descobrir dá lugar ao reencontrar, e o conforto se torna um substituto para o desejo.

E nada de melancolia, muito menos de arroubos nostálgicos, tantas vezes terminados com o “no meu tempo era diferente”. Por sorte a vida é movimento, e, nos corredores da Feira, vejo muitos jovens semelhantes àquele que fui, encontrando livros por R$ 5, R$ 10, R$ 15. E diante disso quase desaparecem o número menor de barracas, a crise amarga e o não termos em 2015 uma vista direta do rio ali da Praça da Alfândega, inegavelmente mais bonita desde que a abriram para os prédios históricos que a cercam, em especial o Margs e seu bistrô, onde sempre estão os amigos.

Um deles me saúda, uma tulipa de chope na mão, com nossa clássica brincadeira:

– Com que celebridade tu gostaria de casar, Pedro?

– Fiona Apple.

– A cantora?

– Sim.

– Mas a Alinne Moraes não era imbatível?

– Era, mas e o bovarismo?

Depois de um gole, ele complementa:

– Pois eu queria me casar com a Amy Winehouse.

– Necrofilia pode?

– Casamento in memoriam. Ah, por falar nisso, acabo de ver teu primeiro livro num balaio. Não é uma honra?

– Claro que é – respondo.

E sigo meu caminho. Claro que é. Um círculo completo. E na minha fantasia, que a custo se livra da voz grave da Fiona e do sorriso de infinitas avenidas da Alinne, alguém apanha aquele meu primeiro livro, escrito na época dos meus balaios, e o salva. Por R$ 5.

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