sábado, 14 de novembro de 2015



14 de novembro de 2015 | N° 18355 
CLÁUDIA LAITANO

A boa esposa

A “boa esposa” é uma figura tão conhecida na política americana, que acabou inspirando uma série de TV. Em The Good Wife (2009), a mulher boazinha é Alicia Florrick (Julianna Margulies), uma advogada que vê as trampolinagens extraconjugais do marido virem a público em um escândalo político que acaba resultando na prisão dele. Para preservar a carreira do marido e proteger a família, Alicia aceita apoiá-lo – pelo menos diante das câmeras. Na vida real, a mais célebre e ambiciosa de todas as “good wives” pode ganhar em breve o maior prêmio da categoria: a presidência dos Estados Unidos.

No Brasil, a “boa esposa” não costuma dar as caras em entrevistas coletivas. Não porque os maridos brasileiros aprontem menos, mas provavelmente porque a vida privada dos políticos conta muito pouco por aqui. O que poderia ser encarado como um avanço da nossa sociedade em relação ao jeca moralismo norte-americano na verdade é o resultado de uma cultura patriarcal que sempre foi muito tolerante com as escapadelas do “cidadão de bem” – poupando as boas esposas da maçada de ter que defender seus maridos folgazões em público. Já se a safadeza for com o dinheiro público, do tipo que rende bolsas de grife, botox e aulas de tênis, convém à boa esposa ficar de bico fechado mesmo, torcendo para que a Justiça não se aproxime muito dos seus Louboutins – pelo menos enquanto a imunidade parlamentar não for extensiva à família.

É raro, portanto, que a presença da mulher ao lado do marido sirva de fiança de caráter por aqui. Na última quinta-feira, porém, tivemos nosso momento “the good wife” quando o deputado Pedro Paulo (PMDB), secretário municipal e pré-candidato à prefeitura do Rio, convocou a ex-mulher, Alexandra Mendes Marcondes, para defendê-lo em uma coletiva que tinha o objetivo de aliviar a sua barra de duas acusações de agressão do tempo em que os dois eram casados. Na primeira, em 2008, na frente da filha de dois anos do casal, Alexandra levou socos no rosto e no corpo. Na segunda, em 2010, foram empurrões, chutes e socos que lhe quebraram um dente, segundo laudo do IML. No dia 24 de outubro, após a revelação da primeira agressão, o prefeito Eduardo Paes, que apoia a candidatura do secretário, disse ter preocupação “zero” com o impacto que a revelação teria sobre a campanha. Significa.

A boa ex-esposa que teve o dente quebrado disse na coletiva que foi apenas uma briga de casal, já superada. Pedro Paulo também adotou a linha “quem nunca?”: “Quem não tem uma briga dentro de casa? Quem não tem um descontrole? Quem não exagera numa discussão? Fomos um casal como qualquer outro”.

Sim, um casal como qualquer outro do país que detém a quinta posição mundial no número de assassinatos de mulheres – a imensa maioria delas mortas por companheiros e ex-companheiros em momentos de “descontrole”.

A impunidade das agressões cotidianas e o silêncio das “boas esposas” alimentam a tolerância com a violência. Se Pedro Paulo for mesmo eleito no Rio de Janeiro, os homens que batem na mulher podem inspirar-se no prefeito e sacar a mesma desculpa usada antes pelo goleiro Bruno: “Quem nunca?”.

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