sábado, 14 de novembro de 2015



Alexandra, um “modelo” de mulher

Quem se descontrola nesse nível entre quatro paredes não tem o perfil para gerenciar

Digna, às vezes cabisbaixa, Alexandra perdoou publicamente o ex-marido, o deputado Pedro Paulo Teixeira, que a agrediu com socos, tapas e chutes no rosto e no corpo por duas vezes, em 2008 e 2010. Uma das agressões aconteceu dentro do carro, na frente da filha de 2 anos. “As pessoas erram, e eu vim dar a cara a tapa”, disse Alexandra.

Alexandra deu mesmo a cara a tapa. E não está sozinha nisso. Muitas mulheres tentam retirar a queixa contra seus namorados e maridos. A maioria se arrepende de denunciar seus homens por agressão, em relações de “amor e ódio”.

Pedro Paulo é o favorito do prefeito Eduardo Paes à sucessão no Rio de Janeiro. Quem  se descontrola nesse nível entre quatro paredes não tem o perfil de um administrador público com tantos desafios, emergências e equipes a gerenciar. É natural, portanto, que se desconfie de seu equilíbrio e sua sensatez como gestor. Não se trata de perseguição feminista. Pedro Paulo também mentiu. Afirmou que tivera “um único episódio” de descontrole em 2010. Mas era reincidente.

Quem emerge das sombras para defendê-lo? A ex-mulher, Alexandra, mãe da filha do casal. “Ele nunca foi um cara agressivo”, disse. “Não se trata disso. Tivemos esses tristes episódios, que foram retratados. Então, por favor, não confundam as coisas. Eu vim de São Paulo até aqui porque vocês (os jornalistas) transformaram minha vida, a vida do Pedro, a vida de nossa filha, num inferno. (...) Nunca vou achar normal (se minha filha for agredida). (Mas na) vida de um casal, você se destempera, você cobra. Você age com coração”. Xingada e agredida por pedir o divórcio com base na traição, há cinco anos, Alexandra agora só deseja o bem de seu ex e paz para ela e a filha. Dá para entender. 

Mas não dá para engolir a defesa de Pedro Paulo. “Quem não tem uma briga dentro de casa? Quem não tem um descontrole? Quem não exagera numa discussão? Sabe, eu acho que nós somos um casal como qualquer outro. Somos um casal como qualquer outro (repetiu). Às vezes, a gente exagera. Às vezes, a gente fala coisas que não deve. Quem não tem isso? Quem não passa isso?”

Muita gente, Pedro Paulo, não passa por isso. Lembremos os fatos, antes que se esfumem nas versões. Alexandra, por livre iniciativa, se submeteu a exames do corpo de delito e assinou boletim de ocorrência que dizia textualmente:

“Após ela dizer que tudo sabia sobre a relação extraconjugal (do marido), ele aplicou (em Alexandra) um violento soco que atingiu a sua boca, vindo a quebrar um dente (...); que em razão dos chutes, ou seja, dos pontapés, o corpo (de Alexandra) ficou todo arroxeado; (...) que, depois dos socos, ela tentou fugir do escritório (...), momento em que o autor (Pedro Paulo) agarrou-lhe pelo pescoço, pressionando seu corpo contra a parede, tentando lhe sufocar (...); que as agressões pararam em razão da chegada da babá com a filha (do casal)”.

Pedro Paulo afirmou que isso não poderia ser enquadrado em “violência doméstica” ou na Lei Maria da Penha. Interpretação dele – e, agora, aparentemente, também de Alexandra. Ele assegurou que só tinha vivido um episódio de descontrole. Mentiu. Em dezembro de 2008 Alexandra já prestara queixa semelhante (leia mais em Oito Notas, na página 24). Ela foi a uma delegacia em São Paulo e declarou que Pedro Paulo chamou-a de “vagabunda”, “piranha”, “f... da p...” e deu socos em seu corpo e seu rosto, dentro do carro e diante da filha.

Esses são os fatos. Ninguém disputa a veracidade dos fatos. Se Alexandra, a vítima, não quer mais saber do assunto e perdoa o ex-marido, está em seu direito. Só não dá para Pedro Paulo chamar isso de “exagero numa discussão”, que acontece com “qualquer outro casal”.
Mulheres casadas com o poder têm enorme capacidade para perdoar. Hillary Clinton ficou ao lado do marido, Bill, no episódio constrangedor do charuto e da estagiária – mesmo depois de ele mentir em tribunal, em 1998. O governador de Nova York em 2008, Eliot Spitzer, renunciou após ser flagrado com prostitutas de luxo – e a mulher, Silda, advogada formada em Harvard, ficou em pé a seu lado no discurso de renúncia. No Brasil, Verônica Calheiros abraçou o marido Renan no Congresso, depois de ele desfiar uma fábula patética sobre “a gestante, o lobista e a criança”. Só casos de infidelidade conjugal, não de violência.

Alexandra foi além. Pedro Paulo agradeceu “a grandeza” da ex-mulher. Ela parecia a algoz, e ele a vítima chorosa. Era como se fosse um roteiro de Nelson Rodrigues para a peça Perdoa-me por me traíres – e me agredires. Fico imaginando se, algum dia, homens traídos e espancados por mulheres no poder, candidatas a cargos públicos, serão capazes do mesmo gesto de grandeza. Subirão ao palco para defendê-las e perdoá-las?

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