12 de novembro de 2015 | N° 18353
MÁRIO CORSOOrgulho louco
Existe orgulho de ser louco? O orgulho louco deve sua lógica ao orgulho negro e ao orgulho gay. De fato, não deveria haver orgulho algum, afinal, como gabar-se de uma contingência? Deveríamos nos orgulhar de conquistas, do que vem pelo esforço. Isso só faz sentido num ambiente de forte discriminação, quando chamamos atenção para a diferença afirmando que ela possui um valor positivo em si. Mas são palavras de ordem transitórias: numa sociedade não homofóbica, o orgulho gay soaria tão patético como hoje falar em orgulho hétero. O orgulho louco é uma das formas de dizer que pessoas com sofrimento mental valem o mesmo do que as outras.
Esse tema tornou-se assunto em função de críticas à Marcha do Orgulho Louco, realizada em Alegrete e que já está na quinta edição. Eu não critico porque nunca fui e, com dados de segunda mão, corro o risco de mencionar, como aconteceu com algumas das críticas, coisas que nem aconteceram ou distorcidas.
Porém, a iniciativa me parece simpática, talvez uma dia eu vá lá para conferir e, especialmente, escutar o que os usuários do sistema de saúde e a comunidade dizem da marcha. Aliás, ninguém da cidade parece estar muito preocupado com o fato, fosse algo tão grave, penso eu, os alegretenses já teriam chiado.
Nós, os profissionais que trabalhamos com a loucura, temos que admitir que sabemos pouco sobre ela, tanto que, se soubéssemos mais, curaríamos mais e não apenas administraríamos certos casos. As curas são raras nas doenças mentais severas e, na maior parte dos casos, apenas conseguimos aliviar o excesso de sofrimento. Creio que, decorrente da nossa dificuldade de curar, deveríamos ser mais humildes com quem pensa diferente, acompanhar todos os tipos de trabalho e ver o que podemos aprender uns com os outros. Não há palavras definitivas sobre a condução do tratamento na psicose.
Uma das acusações é de que haveria um cunho ideológico na marcha. Claro que há. Como poderia ser diferente? Será que alguém acredita que conseguiria estar de fora de alguma forma de ideologia, que conheceria cada fio que tece suas crenças e então poderia falar com neutralidade? Um dos defeitos da ciência é o de espelhar-se no inimigo que derrubou, a religião. Esta falava montada na verdade e alguns cientistas repetem esse discurso, acreditando que detêm toda a verdade e não parte dela.
O perturbador na psicose é que ela, sim, é feita de certezas. Somos neuróticos na medida em que sempre duvidamos sobre nosso saber. Já os ditos loucos tomam suas crenças como definitivas. Veja-se, portanto, que neuróticos (os ditos normais) e psicóticos podem se emparentar na intransigência. Em nome da saúde mental coletiva, poderíamos ser um pouco mais neuróticos e discutir os pontos de vista alheios com o saudável benefício da dúvida sobre nossas convicções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário