sexta-feira, 27 de novembro de 2015


Jaime cimenti
Restos da voragem do tempo


Se os meus queridos seis leitores fazem questão de ler um texto levezinho, bem arrumadinho, engravatadinho, com sujeito, verbo, predicado e tudo em perfeita beleza, delicadeza e ordem formal, como num soneto parnasiano, bem, hoje, aí, peço que me desculpem e leiam outra coluna, ou, se quiserem, me sigam. Quem gosta de palavras, sonhos e pensamentos livres, me siga.

Essa conversa aí de cima me foi inspirada pelo livro mais recente do psicanalista e escritor Luiz-Olyntho Telles da Silva, Iluminura turca e outras crônicas (EDA, 176 páginas, lots@uol.com.br). Iluminuras compunham as páginas de livros, comumente as dos manuscritos medievais, para orná-los com flores, pássaros, ramos e traços delicados.

Em Meu nome é vermelho, do Nobel de Literatura Orham Pamuk, ele fala que o trabalho de iluminuras não deveria deixar vestígios de identidade do autor, ao contrário daquele que é denunciado pelo estilo, um defeito que permite, em cada objeto, distinguir quem o pintou.
Nos seus textos, Luiz-Olyntho, com burilada técnica, trabalhando alma, conteúdo, forma, palavras e arabescos, mundividências, significado e significante, forma, estilo e visão do mundo, nos leva para vislumbres sobre a história, ou, como ele diz, crônicas que recuperam restos da voragem do tempo. Restos do qual a perplexidade não se apodera.

O autor reflete que falamos de futebol, mulheres, guerras, política e outros temas, ou mesmo do modo como antigamente socávamos fumo num cigarrinho de palha, mas sempre nos deparamos com algum ponto da ordem do inefável. Escrevemos para salvar ao menos um resto da voragem do tempo. Ou, quem sabe, para tentar colocar ordem no caos, digo eu.

Sem ligar para cronologias, regras ou formalismos, as crônicas de Luiz-Olyntho mesclam vida real com filmes, livros, sensações, emoções, pensamentos, almas, viagens, pessoas, pai e mãe, filhos, amigos, rodoviária, memórias, transitoriedade permanente , Charlie Chaplin, tablao flamenco, vizinhos, Ano-Novo, Natal, leituras e mil coisas mais, tudo bem relacionado e não relacionado, igual nossas vidinhas pós-modernas indefiníveis, sem contornos, estilhaçadas, imersas em eterno presente, mas, ao mesmo tempo, nos lembrando do passado e sempre de olho no futuro que já chegou faz tempo.

Lendo Iluminura turca e outras crônicas quem sabe, como está na página 154, poderemos refletir que se tudo é transitório, temos de deduzir da transitoriedade sua permanência e ver a arte transcender os tempos, manter a esperança de ver o sonho freudiano realizado: passados os efeitos devastadores das doloridas perdas da humanidade, cumprindo um luto, talvez ainda por 200 anos, mesmo já não sendo os mesmos, mais maduros, valorizando a educação primária, poderemos voltar a uma relação estável com os objetos e, inspirados em Thiago de Mello, conseguiremos confiar no homem, como um menino confia em outro menino.

A propósito...

Diz Dulcinea Santos na orelha: "Quando o escritor põe o estilo a serviço de uma mundividência, seja na crônica, no conto, no romance, no poema, já não mais está aí o homem, o artista, o autor! Pelo trabalho da mímese, transforma-se em narrador fictício. Como Luiz-Olyntho diz do Saturno, de Goya: a história pode sempre ser reescrita com uma reflexão pessoal. 

Ao mencionar essa genial obra da pintura, o que ele nos diz claramente é que o aspecto estético da obra artística é meio, e não fim desta. Uma visão moderna do conceito de estilo. A crônica é um vislumbre sobre a história. Fascinado pelo horror e pelo inusitado, o cronista relata o resto do qual a perplexidade não se apodera". 

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