segunda-feira, 16 de novembro de 2015


16 de novembro de 2015 | N° 18357 
MOISÉS MENDES

O ciclista de Paris


O jornalista Fernando Eichenberg circula em Paris de bicicleta. Só pega metrô ou ônibus quando chove. Dinho sai de bicicleta a entrevistar gente anônima ou famosa. Entrevistou Jean-Luc Godard, Fanny Ardant, Claude Lévi-Strauss, Peter Brook, Michel Camdessus, Henri Salvador e mais 21 celebridades e publicou um livro com as conversas.

Chama-se Entre Aspas – Diálogos Contemporâneos (Globo, 464 páginas). O que eles dizem sobre suas vidas, as vidas dos outros e a vida de Paris ajuda a entender relações de paixão com a cidade onde Dinho mora há 17 anos. E ajuda a compreender também por que o terror odeia tanto Paris.

Dinho saiu de Porto Alegre em 1998. Mora no bairro de Saint-Germain-des-Prés, no mesmo apartamento que alugou quando chegou à cidade. No quarto, o telhado tem um retângulo de vidro. Ele dorme de barriga pra cima. As luzes de Paris, da Lua, das estrelas, dos postes, dos bares e dos camarins entram pelo telhado de vidro.

Conversamos no sábado pela manhã pela internet. Ele me contou que passou a sexta- feira escrevendo sobre o centenário de Roland Barthes, o filósofo dos fragmentos do discurso amoroso.

À noite, iria ao Le Piano Vache, seu bar preferido, no Quartier Latin. É amigo do dono e gosta da banda de jazz manouche. Quando iria pegar a bicicleta para sair, soube dos atentados. Foi para a rua e passou a trabalhar para Zero Hora e Rádio Gaúcha.

Não aconteceu nada com Dinho. Os massacres foram no bares Le Carillon e Le Petit Cambodge e na casa de espetáculos Bataclan, do outro lado do Sena. Mas desde sexta-feira nada será como antes para ele, que por algum tempo morou em Washington e voltou correndo para Paris, de onde não pretende sair.

Dinho anda durante o dia e à noite de bicicleta para não precisar correr atrás do último trem. Se a conversa no bar evolui, às duas da madruga, quando o Piano fecha, ele sai com a guria na garupa. Às vezes, na garoa de Paris.

Entrei, pela internet, no Le Petit Cambodge, no Le Carillon e no Le Piano Vache. Tudo o que você vê por aí, em qualquer lugar, no mesmo estilo – especialmente dos dois últimos –, foi copiado antes de bares de Paris. Vi até a banda que o Dinho ouve no Le Piano Vache.

E agora, o que posso dizer da barbárie sem repetir o que todo mundo já disse? Desejo apenas que meu amigo Dinho participe da resistência e continue pedalando por Paris com uma guria de franja sentada de lado na garupa com as pernas cruzadas.

Nenhum comentário: