quarta-feira, 18 de novembro de 2015



18 de novembro de 2015 | N° 18359 
MARTHA MEDEIROS

Portas abertas


Nesses últimos dias, diante de um mundo ameaçado pelo terror, deu pra extrair algo de bom. Na sexta-feira, poucas horas depois dos primeiros tiroteios, ninguém ainda sabia se os atentados haviam cessado, onde estavam os terroristas e qual era a soma das vítimas, mas já havia cartazes nos prédios comunicando: Porte ouverte, que em português significa “porta aberta”. Os moradores da capital francesa, sabendo que muitas ruas estavam sendo fechadas e que não haveria como turistas e transeuntes voltarem a seus hotéis e moradias, colocavam-se à disposição para hospedar desconhecidos aquela noite fatídica.

Diante disso, importa quem é ateu, quem é católico, quem é muçulmano?

Religião serve para confortar diante da finitude e para atenuar angústias, culpas e faltas. Precisam de religião os que não se contentam em recorrer unicamente à razão e que se sentem menos inseguros compartilhando seu destino com alguma entidade superior, ainda que etérea. Muitos precisam de religião e não há nada de errado em se amparar nela emocionalmente. Mas o sagrado se apresenta de várias outras maneiras.

Generosidade é uma atitude laica. Solidariedade, idem. Boa vontade, amizade, sensibilidade, ternura, comoção. Nada disso está relacionado à conversão a uma doutrina. Não precisamos de líderes, de mártires, de messias para sermos gente direita. Pais, mães, tios, avós e professores geralmente dão bons guias no início da nossa jornada e nem precisam ser santos.

A religião começa a dar defeito quando deixa de ser um consolo pessoal para ser usada politicamente – como a história demonstra. Gire o globo e para onde seu dedo apontar haverá conflitos religiosos insuflados pelo poder que certos grupos radicais se outorgam. Conflito: o revés da paz e da bondade que deveriam ser intrínsecos à vida espiritual.

Morremos todos os dias por bala perdida, negligência, delinquência – terror também –, mas morrer por divergências religiosas nos deixa ainda mais em choque por sua contradição: o divino nunca deveria se atrelar à covardia e à brutalidade.

Enfim, porta aberta para aqueles que não consideram profanos o prazer e a alegria. Porta aberta para quem reza para o Deus que quiser, sem tentar subjugar a vida alheia a seus preceitos particulares. Porta aberta a quem faz o bem, com ou sem religião. Porta aberta para quem precisa de um copo d`água, um abraço, um sofá – e não de discurso, sermão.

As igrejas são, em tese, grandes templos onde as portas são mantidas abertas para todos. A sexta-feira 13 parisiense mostrou que por trás de cada porta da cidade pode haver outro tipo de igreja, sem altares, sem confessionários, sem imagens, sem dogmas. Apenas aquele bom e velho amor ao próximo em seu conceito mais espontâneo e simplificado, que se manifesta quando vem desapegado de crenças sobre-humanas.

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