sexta-feira, 13 de novembro de 2015



13 de novembro de 2015 | N° 18354 
DAVID COIMBRA

O maior defeito dos Estados Unidos


Qual é o maior defeito dos Estados Unidos? Os brasileiros vivem me perguntando isso. Qual o defeito? Qual?

Pois digo.

Antes, haveremos de considerar que os Estados Unidos são um país maior territorialmente do que o Brasil, e com quase o dobro da população. Outro dado importante (e surpreendente), algo que só aprendi ao morar aqui, é que os Estados Unidos são mais heterogêneos do que o Brasil. Nós temos o hábito de pensar no Brasil como um continente multifacetado, com grandes diferenças entre as regiões. 

Ocorre que recebemos nossa última leva significativa de imigrantes no século 19. No 20, ainda houve uma vaga de japoneses para São Paulo, e agora uns poucos haitianos e africanos andam se acomodando por aí, mas nada que se compare à Babel borbulhante que são os Estados Unidos. O Brasil vem fermentando a mesma mistura étnica há mais de cem anos. A tal ponto, que um estrangeiro residente em Porto Alegre, por exemplo, vira referência, quase atração turística.

Mesmo assim, os americanos conseguem resolver com competência a maioria dos seus problemas. O mais pedregoso deles são as tensões raciais ainda derivadas da escravidão. Esse tem sido difícil de solucionar. Mas trata-se de um problema, não de um defeito.

O defeito mais grave é o seguinte: é o espírito competitivo da sociedade americana. Algum gaiato vai levantar o dedo e bradar: “Eu disse! São os males da meritocracia!”.

Errado, caro gaiato. A meritocracia é boa. Ótima, até. Com a meritocracia, você premia os competentes, incentiva a iniciativa pessoal e estimula a criatividade. O ruim é quando o instrumento de medição do mérito é a comparação com o desempenho das outras pessoas. É isso que cria distorções.

Pessoas não são cavalos de prado. Ninguém tem de ser melhor do que ninguém. Você pode achar que Dostoiévski foi o melhor escritor de histórias da história. Tudo bem, é problema seu. Mas você não irá ler só Dostoiévski, não é? Haverá, na sua estante, espaço para um Capote, para um Balzac, quem sabe para um João Ubaldo. Há espaço para todos os que forem bons no mundo.

A cultura americana de eleger o número 1, a rainha do colégio, a líder da torcida, o quarto-zagueiro, a dona das melhores notas, essa cultura é que gera o bullying e os malucos que entram numa escola com uma metralhadora em punho para se vingar dos tempos de humilhação no segundo grau.

Mesmo assim, a cultura da meritocracia compensa. Os americanos são incentivados a fazer beneficência, que é considerada grande mérito. A realização de trabalhos comunitários, inclusive, é um dos critérios para um aluno entrar numa faculdade. Isso desenvolve o espírito solidário e atenua os desvios da competitividade. Menos mal.

Complicado, realmente, é o que às vezes acontece no Brasil, em que temos competição feroz sem valorização do mérito. É o pior de dois mundos. Você se mantém no atraso, sem se esquivar da amargura. E, por favor, chega de atraso, chega de amargura.

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