segunda-feira, 23 de novembro de 2015


23 de novembro de 2015 | N° 18364
NOTÍCIAS | MUNDO

ELEIÇÃO ARGENTINA TEM VITÓRIA DE MACRI


EMPRESÁRIO TIDO COMO CONSERVADOR de viés econômico liberal derrotou o representante do governo de Cristina Kirchner e promete buscar o diálogo

A Argentina tem um novo presidente e, possivelmente, um novo panorama político, marcado pelo diálogo necessário em razão da crise econômica e da ausência de uma base governista forte no Congresso. Mais que isso, porém. O engenheiro Mauricio Macri, 56 anos, que despontou para a política como presidente vitorioso do Boca Juniors, é um político tido como conservador de corte liberal na economia e reconhecido pela facilidade de dialogar. Mais ainda: o rival que Macri derrotou ontem, além de ser seu amigo, tem a mesma predisposição ao diálogo e já acenou com a possibilidade de um acordo nacional para o país enfrentar a ausência de dólares em seus cofres e de investidores externos.

– Esta mudança não pode ocorrer com revanches e ajustes de contas – sinalizou Macri às 23h de ontem, ao discursar no seu bunker de campanha.

Macri e Scioli já conversavam, mesmo enquanto os votos eram apurados, e procuravam estabelecer o que os analistas estão definindo como um possível pacto de governabilidade. Desse acordo, fariam parte a União Industrial Argentina (UIA) e as centrais sindicais, que serão chamadas para se sentar à mesa de negociações.

– Uma nova página está se abrindo na Argentina. O que ocorre hoje é uma mudança geracional e de estilo. Há uma consolidação da democracia. Cristina Kirchner é uma discípula da cosmovisão messiânica dos anos 1970 – resume o analista político Joaquín Morales Solá, articulista do jornal La Nación.

– Desde a campanha, Macri e Scioli davam sinais de diálogo respeitoso. Tudo indica que haverá um pacto de governabilidade, o que é muito importante para o novo presidente enfrentar as dificuldades que terá – reforça o analista Rosendo Fraga.

O fato é que, com as reservas em moeda estrangeira praticamente zeradas e a necessidade de compor no parlamento para conseguir governar, o novo presidente será obrigado a dialogar. Nada tão difícil para Macri. A preocupação dos analistas se dá em relação a uma constatação de fundo histórico: dificilmente um governo que não seja peronista conseguiu terminar o mandato nas últimas décadas. Os exemplos mais notórios são os dos “radicais” (da União Cívica Radical, tradicional rival do peronismo) Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa. A esperança está na diversidade sindical existente hoje e também na pulverização dos grupos opositores.

A atual presidente, Cristina Kirchner, de quem Macri é desafeto, pensaria muito antes de adotar um comportamento intransigente. O risco seria de deixar para o dissidente kirchnerista Sergio Massa o papel de opositor moderado, que tão bem cai ao eleitorado. O estilo de Cristina é o do enfrentamento, e é esse traço da sua personalidade que os analistas dizem estar ficando para trás, depois de 12 anos de administração kirchnerista – quatro anos com seu marido Néstor (morto em 2010) e oito com ela.

Massa, terceiro colocado nas eleições, fez coro, aliás, com Scioli. Também ele discursou e pôs sua força política à disposição de Macri para conduzir o país a uma solução capaz de ajudar a resolver os problemas econômicos e financeiros – como o imbróglio existente atualmente com credores especulativos internacionais. O ponto lembrado pelos adversários de Cristina não é tanto o juízo de valor que se faça a respeito dos “abutres”, como Cristina os chama. A preocupação se dá em relação ao isolamento do país.

VOTAÇÃO OCORREU EM CLIMA DE TRANQUILIDADE

O dia, na Argentina, já parecia prenunciar uma época de mais diálogo. Em um domingo de sol e tranquilidade, eleitores foram às urnas para escolher, pela primeira vez na história, um presidente em segundo turno.

As eleições foram curiosas por diversos aspectos. Um deles foi a semelhança dos dois candidatos. Além de amigos, ambos são filhos de famílias ligadas ao setor empresarial e se tornaram conhecidos pelo esporte. Scioli foi multicampeão de motonáutica, e Macri também conseguiu diversas conquistas importantes como presidente do Boca Juniors.

A tendência foi de vitória macrista durante toda a disputa de segundo turno. Scioli havia vencido no primeiro turno, mas com diferença insuficiente para compensar a união de uma oposição fracionada. Como candidato que representa a presidente Cristina e os 12 anos de kirchnerismo, carregou também o desgaste de ser governo.

O analista Rosendo Fraga vê na provável vitória de Macri a curiosa presença de um engenheiro no poder, o que, segundo Fraga, pode significar importantes ações de mudança estrutural no país.

O sentimento de tranquilidade nas ruas de Buenos Aires, ontem, pode ser consequência de dois aspectos: a população não se entusiasmou com nenhum dos dois e está cansada de depositar esperanças na política. O sentimento desde muito cedo, ontem, era de que tanto Macri estava convencido da vitória quanto Scioli estava resignado com a derrota.

leo.gerchmann@zerohora.com.br

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