10 de novembro de 2015 | N° 18351
DAVID COIMBRA
O Brasil de cajado
Desfrutei, e desfrutar é a palavra apropriada para o caso, pois desfrutei o fim de semana nas White Mountains, no vizinho Estado de New Hampshire. Trata-se, definitivamente, de um dos lugares belos deste belo mundo. Montanhas Brancas. O nome já é uma poesia. Quando nos instalamos numa cabana em meio à natureza, a moça que nos deu a chave advertiu para não deixarmos comida nos carros, para não atrair os ursos. Aquilo me deixou um pouco apreensivo, mas tudo bem. Vamos lá.
No domingo, a turma resolveu fazer uma trilha na montanha. Novamente, fiquei apreensivo, mas, para meu alívio, foi escolhida uma trilha bem pequena. Chegamos e, já na entrada da floresta, todos saíram procurando por galhos que lhes servissem de cajados. Foi algo instintivo, como se houvesse uma regra escrita em algum lugar: para se fazer trilha, tem de levar um cajado.
Lembrei-me de um velho amigo de Criciúma que foi fazer o caminho de Santiago de Compostela. Voltou barbudo e com um cajado. Andava com aquele cajado pela cidade. Passou a ser olhado com muito mais respeito depois disso. As pessoas pediam conselhos a ele.
Cajado combina mesmo com barba. E com sandália. O ideal seria usar um hábito de pano cru, amarrado à cintura com uma corda, como fazem os franciscanos, mas talvez aí seja radical demais. Bastam, creio, o cajado, a sandália, a barba e um pouquinho de sujeira. Um cara de cajado não pode estar completamente limpo. Ele tem de ostentar a poeira da estrada como referência.
Um cara de cajado também tem de ser muito calmo. Ele tem de falar devagar e responder cada pergunta com um meio sorriso condescendente. Ah: e usar metáforas. É importante usar metáforas, falar por meio de parábolas. Você pergunta as horas para um cara de cajado e ele começa, depois de inspirar profundamente:
– Havia um bosque, e nesse bosque havia um coelho muito apressado, como o coelho de Alice no País das Maravilhas. Ele estava sempre perguntando as horas. Um dia, perguntou a uma velha tartaruga que passava por ali. A tartaruga tinha mais de cem anos, vividos calmamente, sem sentir a passagem do tempo. Então, ela disse: “Amigo coelho, por que perguntas as horas, se...”
Por aí.
Um cara de cajado tem de ser contra o capitalismo, o consumo de carne vermelha e o automóvel. Um cara de cajado, se tiver de trabalhar em algum lugar, será no Ministério da Educação e Cultura do Brasil. Tenho certeza de que os intelectuais do MEC andam de cajado por Brasília. Eles têm ideias compatíveis com cajados e sandálias. Agora, eles querem acabar com o ensino da História Antiga e Medieval nas escolas. Mais: querem acabar com o ensino cronológico da História. O projeto é fazer com que as crianças estudem a América Pré-Colombiana, os índios e as culturas africanas, tudo isso sem referência de tempo, só referência temática.
Não é uma ideia de gente que anda com cajado? Claro que é. E é assim que será o Brasil do futuro: um país de homens e mulheres que caminham pela vida portando cajados, calçando sandálias, meio empoeirados, de fala mansa, muito pacíficos. Mas para quem não se deve perguntar as horas.
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