25 de novembro de 2015 | N° 18366
PEDRO GONZAGA
ALINNE
Isto é uma declaração. Tentei trocar-vos, quando mais bem queria bodas completas convosco; tentei convencer-me de que nada sabíeis da minha existência, mas nunca uma musa esquivou-se de sua dominação por ignorar seu cantor; tentei recorrer aos clássicos, estabelecer uma agenda positiva, como querem os publicistas com suas frases feitas; enfim, usei de todos os exemplos de poetas malfadados, tão mais aptos do que eu, para me livrar de vosso jugo, mas fracassei. Pensava Beatriz e pronunciava Alinne, tencionava escrever Laura, mas umas outras letras, umas letras mais, surgiam no monitor: Alinne Moraes.
Em aula, quando trato de explicar o petrarquismo, relação que busca um equilíbrio entre a adoração ideal e a real – fundada pela distância entre o poeta e a musa –, estabelecida pelos trovadores e aperfeiçoada na Renascença, é sempre a vós que recorro como exemplo. Suporto os risos, os bilhetinhos insidiosos (e aí, sor, viu que a Alinne é casada?).
Suporto até a traição de meu irmão, montador de grandes filmes, que certa feita viajou a vosso lado e não foi capaz sequer de me conseguir vosso face, vosso whats, vossa caixa postal, vossa casinha para o pombo correio. Sangue do meu sangue e isso! Malditos sejam os deuses que fazem de minhas gordas tripas a lira de um dramalhão.
A vós rogo piedade. Não vedes que sou obrigado a apagar a televisão a cada novela de que participais, que fecho anúncios ao mero reconhecer de vosso riso de mil alamedas, que apago séries que prometem vossas sublimes formas, que receio olhar para os outdoors nas ruas da cidade?
Tontices, Alinne. Segui fazendo exatamente o que fazeis. Estejais apenas no mundo, pura manifestação da beleza, visitante das esferas desconhecidas e inexplicáveis.
Porque assim me permitis a prerrogativa de manter-me juvenil, de prolongar o platonismo para além do tempo da escola. E isto me parece uma benção num planeta a cada dia mais rude. Em agradecimento vos prometo a fidelidade de minha pena. Confiai. Qualquer morador do Bom Fim é testemunha – quem vos dirá se a contragosto? – de que nas noites do bairro há sempre um bardo calvo a vos recelebrar, que diz (eu digo):
- Alinne, Alinne, Alinne.
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