LUCIANO POTTER
Fiscal das manifestações alheias
Temos um novo animal na fauna internética: o crítico-avaliador-do-sentimento-de-dor-alheia. Funciona assim: uma catástrofe, um ato terrorista, uma tragédia acontecem. Surgem as dores das perdas humanas, as histórias individuais das vítimas e todos os lamentos sendo colocados nas redes sociais por pessoas chorosas e machucadas com a crueldade. Tudo certo e todos ao Facebook, lugar dos textões e das discussões da humanidade.
E é ali que está o fiscal. Ele tem um medidor de tragédia. Os critérios dele ainda não são bem definidos, na verdade são confusos, mas, após uma minuciosa olhada nesses últimos dias, dá para termos algumas pistas iniciais:
1) Geografia. Interessa muito a distância que você está do fato triste. E a sua tristeza deve respeitar isso. Tragédia na França? Fique pouco tristonho. Tragédia no Brasil? Aumente suas lágrimas. É quase proibitivo sentir remorso por uma tragédia em continentes distantes. Tente ser legal apenas nas catástrofes próximas.
2) Toda tragédia é igual. O medidor acha que qualquer atentado, represa que arrebenta por dolo humano e avião que explode no Oriente Médio tem o mesmo peso. É óbvio que o que não se mede é o sofrimento que realizações patéticas como essas causam. Mas cenários geopolíticos, econômicos e sociais são essenciais para as pessoas medirem o espaço que darão em suas manchetes na web. O problema é que o fiscal quer o mesmo espaço e dor sempre igual. O que, de certa forma, vai de encontro ao item “geografia”.
3) Tudo é PTralha ou Coxinha. É absolutamente incrível a capacidade desse sacerdote online de conseguir “linkar” tudo com o atual cenário político brasileiro. Ele é um mestre em achar conexões da Dilma e do Aécio em tudo que acontece no mundo. O planeta, afinal de contas, gira ao redor daquilo em que ELE precisa acreditar. Complexidades de ações “tragedianas”, para ele, não existem. Tudo é simples: a culpa ou é do PT, ou é da oposição.
O crítico e avaliador do sentimento de dor alheia, na verdade, é um grande egoísta. Precisa impor o que pensa, não quer conversar, discutir, aprofundar ou enxergar que tudo é muito complexo. E, no final das contas, está na internet só com um propósito: deixá-la rala e do jeito que ele pensa. Não há troca porque ele já sabe de tudo. O que quer mesmo, e para sempre, é a ditadura comandada por ele. E essa falta de democracia obriga você a sofrer somente pelo que o ditador quer que você sofra. Suas lágrimas são dele. Cuidado! A palavra dele é uma AK-47.
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