sexta-feira, 27 de novembro de 2015



27 de novembro de 2015 | N° 18368 
DAVID COIMBRA

A nossa sorte


Uma montanha pode muito bem explodir. Já aconteceu. Há exatamente 200 anos, um vulcão que até então não era vulcão, apenas um monte inativo de nome Tambora, entrou em violenta erupção, perto da Indonésia. Foi, talvez, o maior evento da história do mundo nos últimos 10 mil anos, e não estou exagerando.

A explosão reuniu o poder de 60 mil bombas atômicas, incinerou quase que de imediato 90 mil pessoas e foi ouvida a mais de 2 mil quilômetros de distância. É como se tivesse ocorrido na Bahia e fosse ouvida em Porto Alegre. Uma nuvem de cinzas se ergueu a mais de 30 quilômetros de altura e se espalhou pelo mundo, encobrindo o sol. Aqui, na Nova Inglaterra, o ano seguinte ao da erupção, o de 1816, é chamado ainda hoje de “o ano sem verão”.

De fato, não houve verão no Hemisfério Norte. As safras goraram, as plantas definharam. Nem o gado nem as pessoas tinham o que comer, e o gado e as pessoas morreram aos milhares.

Um professor americano, Gillen Wood, escreveu um livro a respeito. Para ele, os mais famosos monstros da História, Drácula e Frankenstein, nasceram da explosão do Tambora. Porque, precisamente naquele verão sombrio, Mary Shelley, seu marido Percy Shelley, Lord Byron e outros de seus amigos ingleses se reuniram numa casa nas montanhas suíças para passar o fim de semana. Como os dias estavam horrivelmente frios e escuros, eles ficaram o tempo todo bebendo láudano e contando histórias de fantasmas. Byron escreveu poemas tétricos e os primeiros contos de vampiro, que, anos depois, inspirariam Bram Stoker em seu imortal (mesmo) Drácula.

Mary tinha apenas 18 anos, mas já alguma história de vida. Era filha de William Godwin, um escritor anarquista, e de Mary Wollstonecraft, uma das primeiras feministas da História, autora da declaração dos direitos da mulher.

Mary, a mãe, morreu devido a complicações do parto, e Mary, a filha, ficou sob a tutela do pai. Aos 16 anos, a menina se apaixonou por Shelley e fugiu de casa para ficar com ele. Shelley já era casado, mas essa formalidade não intimidou Mary, que se manteve alegremente como amante por alguns anos. Depois que a mulher de Shelley convenientemente morreu, eles se casaram e viveram felizes para sempre, até que o próprio Shelley também morreu, por afogamento.

Naquele fim de semana gelado, Byron desafiou Mary a escrever a história mais aterrorizante que conseguisse, e ela concebeu o Frankenstein. Tudo isso graças ao clima soturno propiciado pelas cinzas do vulcão que explodira meses antes, na Ásia distante.

Os cientistas até hoje estudam o Tambora, que ficou reduzido pela metade, após a erupção. Não sabem se ele poderá explodir de novo. Na verdade, não sabem se qualquer vulcão, dos 1,5 mil conhecidos em todo o mundo, poderá entrar em erupção agora mesmo. O Monte Fuji, no Japão, por exemplo, está adormecido há três séculos, mas, no ano passado, começou a roncar de forma ameaçadora. Os japoneses ficaram preocupadíssimos, porque haverá um dia em que o Fuji explodirá e partirá Tóquio ao meio. Quando? É um mistério.

A Terra pode vomitar fogo e lava a qualquer momento, e outro tempo de trevas envolveria o planeta. Um meteoro como o K-T, que afundou a província de Iucatán e extinguiu os dinossauros, pode ser arremessado do espaço até o fim do ano, matando, só no choque, 1 bilhão de pessoas. Nós, Homo sapiens, podemos simplesmente sumir da face do planeta, como sumiram 99,99% de todas as espécies em 4 bilhões de anos. Drácula e Frankenstein podem se erguer de suas tumbas.

Por que essas coisas não têm acontecido? Porque temos tido sorte. Pense nisso, da próxima vez que for reclamar do governo do Brasil: apesar de tudo, temos tido muita sorte.

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