21 de novembro de 2015 | N° 18362
NÍLSON SOUZA
O DOCE E O SALGADO
As imagens daquela mancha cor de chocolate avançando por mais de 400 quilômetros em direção ao mar não poderiam ser mais apocalípticas. Do nada – ou melhor, da ganância, da negligência e da estupidez –, uma bomba de lama tóxica explodiu no coração de Mariana, primeira capital mineira e vizinha de Ouro Preto, ambas símbolos da exploração histórica de minérios brasileiros. O próprio nome da cidade é um atestado de domínio e submissão. Homenageia a austríaca Maria Ana, esposa de Dom João V, o rei português que se fartou com o ouro e os diamantes extraídos do Brasil.
Dois séculos depois, Carlos Drummond de Andrade, que é de Itabira, cidade onde nasceu a empresa Vale do Rio Doce, deixou registrado em um de seus poemas o desencanto com a exploração continuada: “O maior trem do mundo/ leva minha terra/ para a Alemanha,/ leva minha terra/ para o Canadá,/ leva minha terra/ para o Japão./ Leva meu tempo, minha infância, minha vida/ triturada em 163 vagões de minério e destruição”.
O Rio Doce morreu de morte matada, intoxicado pelos resíduos criminosos que também assassinaram vilas, casas, pessoas e peixes. O grande fotógrafo Sebastião Salgado aprendeu a nadar naquele rio, que também banha sua cidade natal, Aimorés, no leste de Minas. É dele a ideia que surge como um sopro de esperança em meio à catástrofe ambiental: criar um fundo para recuperar as nascentes do rio, de forma planejada e continuada, com o plantio de árvores que garantam a umidade e o microclima necessários para atrair a chuva.
– A água não nasce da terra, não nasce da montanha. Ela é um rio aéreo em forma de nuvem – ensina.
Vai levar anos para o rio renascer. Nem Salgado nem muitos de nós veremos o resultado desse projeto, que já conta com a simpatia do governo federal e que poderá ser implementado com o financiamento das próprias empresas responsáveis pelo desastre. Por mais irônico que pareça, as causadoras do mal não podem ser punidas radicalmente, pois significam muito para a economia e para a empregabilidade das populações atingidas. Mas podem ser obrigadas a sustentar o longo e penoso processo de recuperação ambiental. É o mínimo que se pode esperar.
Ainda será uma pena doce para tão salgado crime.
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