sábado, 14 de novembro de 2015



15 de novembro de 2015 | N° 18356
TERROR EM PARIS

PARIS, UMA CIDADE AMEDRONTADA


Compridas lágrimas escorriam pelo rosto de Magali, 41 anos. Seu corpo inerte, encasacado nos 8°C da madrugada parisiense, deixava-se escorar no gelado muro da rua Commines. A sua frente, atarefados bombeiros, médicos e enfermeiros evacuavam feridos que chegavam transportados do Bataclan, mítica e festiva casa de shows nas proximidades, agora eternamente associada ao massacre de mais de 80 vítimas do terrorismo – os ataques coordenados pelo Estado Islâmico em Paris deixaram pelo menos 128 mortos.

A voz trêmula de Magali balbuciava vagas palavras. Solitária naquela sombria calçada, ela – como milhares de parisienses, de franceses e de cidadãos pelos quatro cantos do mundo – não entendia o que acabara de ocorrer em sua cidade. Horas antes, ao sair de uma sala de cinema, viu-se em meio a um filme de horror: uma Paris em plena barbárie. Refugiou-se com outras pessoas num bar, aterrorizada, e agora aguardava as ruas serem desbloqueadas pelas forças de segurança para poder retornar a sua casa. E ali ficou sabendo que, nos arredores de seu lar, na rua Bichat, um outro ataque também fizera ecoar gritos de terror e manchara o asfalto de sangue. Homens- bomba, kalashnikovs, granadas explodindo no cenário da recém- chegada decoração natalina da Cidade-Luz. Nada fazia sentido. Parecia não escutar as estridentes sirenes ao redor, e com os olhos marejados traduziu seu sentimento em quatro letras: medo.

Paris despertou no sábado como Magali. Atônita. Incrédula. Chocada. Desnorteada. Amedrontada. A sexta- feira 13 de novembro de 2015 entrou para o calendário francês como a data do atentado mais mortífero já ocorrido no país. Sob a vasta e pesada sombra de mais de 120 cadáveres, o Palácio do Eliseu reagiu, por um lado, com as mesmas palavras invocadas no rastro dos atentados de janeiro último, que tiveram como principal alvo o jornal satírico Charlie Hebdo e causaram 12 mortes: o apelo à união nacional para afrontar a ameaça terrorista. 

Por outro lado, o discurso do presidente François Hollande endureceu: a França será “determinada” e o combate, “impiedoso”. Trata- se de um “ato de guerra” organizado e preparado do Exterior com cumplicidade interior por um exército terrorista, o Estado Islâmico, disse o chefe da nação, ao anunciar o luto nacional por um período de três dias.

A dramática e sangrenta noite de sexta-feira pariu um denso e ruidoso silêncio na nebulosa manhã outonal de sábado. Escolas, universidades, museus, bibliotecas, ginásios, piscinas públicas cerraram suas portas por determinação do estado de emergência imposto no país. Áreas que serviram de palco para a chacina terrorista permaneciam interditadas pela polícia. 

Onze estações de metrô foram fechadas. As manifestações nas vias públicas foram proibidas até dia 19. Veículos atravessavam a cidade para transportar os corpos das vítimas para o Instituto Médico Legal, onde familiares e amigos chegavam em prantos. O chefe do serviço de urgências do Hospital Europeu Centro Pompidou, Philippe Juvin, que passou a madrugada atendendo feridos, resumiu o estupor compartilhado por seus colegas:

– Há 20 anos pratico esta profissão, já trabalhei na França, no Afeganistão e em vários outros lugares, mas nunca havia visto algo assim. Foi uma noite de pesadelo.

O pesadelo passou a ser amplificado com o conhecimento dos detalhes da carnificina, elaborada com métodos nunca antes utilizados em solo francês: ataques kamikazes praticados por terroristas armados com cintos de explosivos. Vídeos gravados por vizinhos do Bataclan revelaram toda a crueza da ação terrorista. Na Passagem Saint-Pierre Amelot, uma das portas de saída da casa de shows, pessoas são abatidas por tiros em sua tentativa de fuga; outras arrastam mortos e feridos pela rua.

Em janeiro, a França se tornou “Eu sou Charlie” ao reunir multidões em imensas manifestações espontâneas contra a violência terrorista. Neste novembro sombrio, os franceses talvez precisarão de mais tempo para absorver o abalo da sexta-feira 13. Por enquanto, ainda atordoados, se sentem fragilizados e vulneráveis, com a terrível sensação de que o terrorismo poderá atacar onde, quando e como quiser.

Especial, Paris - FERNANDO EICHENBERG

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