sábado, 28 de novembro de 2015



28 de novembro de 2015 | N° 18369 
NÍLSON SOUZA

IDEIA DE JERICO

Depois de décadas de trabalho escravo pelo desenvolvimento do Nordeste, os jumentos começaram a ser trocados por motos, que são mais rápidas e mais ágeis no transporte de passageiros e mercadorias. Porém, em vez de receberem a merecida aposentadoria, com pasto verde e água fresca, os burricos passaram a ser abandonados por seus donos na beira das estradas, tornando-se um incômodo para o trânsito e para as autoridades. 

Em várias cidades, há milhares de animais vagando pelas várzeas e pelas margens das rodovias. Por isso, quando recentemente um empresário chinês procurou a ministra Kátia Abreu, da Agricultura, manifestando interesse em importar 1 milhão de jegues por ano, cheguei a pensar que na Ásia eles poderiam ter uma vida melhor.

Ledíssimo engano. Ao ler com mais atenção a notícia, percebi que a intenção do mandarim é abastecer os açougues locais e também a indústria de cosméticos. Ainda que me revolte o estômago, até entendo que um país com 1 bilhão e 300 milhões de bocas para alimentar possa consumir sem remorsos qualquer tipo de carne. Mas acho insuportável a ideia de enviar nossos burricos para os laboratórios de tortura dos fabricantes de perfume e maquiagem. Sei que eles já fazem testes com coelhos e outros bichinhos, o que também é execrável, mas o jumento – como rezava o padre Vieira e cantava o Gonzagão – é nosso irmão.

Quem leu Platero e Eu, do espanhol Juan Ramón Jiménez, jamais deixará de olhar com ternura para um jegue. Na prosa poética e sensível do escritor andaluz, o burrinho de aço e prata ganha sentimentos mais do que humanos, ouve, pensa e age como um ser verdadeiramente superior, é paciente e servil, mas também forte e resistente na hora do trabalho. Não são assim todos os jumentos?

É difícil de entender por que a palavra asno virou ofensa. O próprio Jiménez desenvolve a tese de que os homens bons deveriam ser chamados de asnos, e os asnos maus deveriam ser chamados de homens. Uma convicção eu tenho: asnos jamais teriam uma ideia de jerico como essa de lançar produtos químicos nos olhos dos animais para saber se o rímel não causará desconforto às madames.

Nem tudo está perdido, porém. Cresce no Nordeste um movimento de defesa dos jegues, que já conseguiu criar em Petrolina, Pernambuco, o Parque Ecológico de Proteção ao Jumento, destinado a abrigar animais abandonados. Espero que mantenham os chineses à distância.

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