21 de novembro de 2015 | N° 18362
CLÁUDIA LAITANO
Marianne
Paris e Mariana, tão distantes e distintas quanto podem ser uma metrópole do centro do mundo e uma pequena cidade do interior, ganharam nos últimos dias, pelo menos no Brasil, uma vizinhança inesperada. Nas manchetes, nas redes sociais, na disputa acesa por solidariedade simbólica e atenção. Unidas no calendário das más notícias, diversas nas circunstâncias, as duas tragédias provocam o mesmo tipo de indignação e apreensão difusa que atingem tanto os que convivem com o medo da violência quanto os que se sentem reféns da incúria – aquele tipo de negligência à brasileira que não serve a nenhuma causa delirante nem explode bombas, mas pode ter efeitos igualmente perversos.
Além do choque, do luto e da indignação, houve nos últimos dias sinais claros de resistência. Não apenas ao que causou o mal em si – o terrorismo lá, a falta de fiscalização adequada aqui –, mas ao medo, ao desânimo, à paralisação. Tragédias também servem para que gestos de solidariedade, bravura e generosidade virem notícia. Porque nos faz bem voltar a dar algum crédito para a nossa espécie, claro, mas também porque gestos de grandeza acontecem, sem alarde, o tempo todo, em todos os lugares.
Mariana nos mostrou, por exemplo, o valor das redes sociais, que desde as primeiras horas depois do rompimento da barragem de Bento Rodrigues cobraram reação, atenção, mobilização – tanto das autoridades quanto da imprensa e da sociedade civil. Nos últimos dias, vimos biólogos recolhendo ovos de tartaruga, um a um, das praias ameaçadas, e cientistas de todo o país se oferecendo para trabalhar na diminuição dos danos.
Vimos objetos sacros preciosos sendo resgatados da lama para serem restituídos, um dia, ao seu local de origem – e não para serem vendidos. Vimos gestos simples, anônimos, de quem se mobilizou para arrecadar doações, assim como gestos de impacto internacional, como a iniciativa de Sebastião Salgado de vir a público para propor a criação de um fundo de investimento para a recuperação da bacia do rio da sua infância.
Paris nos mostrou jovens que, em vez de fugir dos tiros sem olhar para trás, arriscaram a vida para socorrer feridos. Vimos moradores das ruas vizinhas aos locais dos atentados abrindo as portas das próprias casas para abrigar estranhos. Vimos jovens esperando horas na fila para doar sangue, e velhos afirmando que não iriam se esconder em casa porque ceder ao medo seria dar vitória aos terroristas. Vimos políticos colocando diferenças ideológicas em segundo plano.
E pais ensinando aos filhos pequenos que não se combate a violência com ódio, por mais contraintuitivo que isso possa parecer. Porque a civilização, a compaixão e a tolerância são mesmo contraintuitivas e é preciso ensinar seu valor às novas gerações para que aprendam a zelar por elas no futuro.
Marianne, por coincidência, é o nome da figura alegórica que representa os valores da República Francesa – liberdade, igualdade, fraternidade. Paris e sua Marianne. Paris e nossa Mariana. Que falta faz um Drummond numa hora dessas.
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