09 de novembro de 2015 | N° 18350
MOISÉS MENDES
Mentes asmáticas
José Lutzenberger me disse um dia, no lago do Rincão Gaia, com o Kadão Chaves de testemunha: nunca me socorri de um analista, eu controlo minha mente e me autoanaliso, e isso me basta.
Estou lendo Crônica dos Afetos – A Psicanálise no Cotidiano (Artmed, 206 páginas), o novo livro de Celso Gutfreind, e me lembrei de Lutz.
Celso escreve crônicas inspiradas em pacientes, colegas, dia a dia, perdas, técnicas, amores, ódios, mortes, transferências, todas com muito afeto, humor e literatura, porque o autor é um poeta que virou psiquiatra e psicanalista.
O capítulo que mais me agrada no livro é o mais óbvio, o do esforço das racionalidades que tentam explicar conexões entre corpo e mente. Sou asmático, e o asmático é um clássico.
O asmático é um cartesiano com falta de ar e excesso de interrogações: o que minha mente fez com meus brônquios? Por que meus pulmões transtornam minha cabeça? Quem gerou esse sufocamento que veio junto comigo?
Desde a infância, fiz um esforço à la Lutz para entender o que está no livro – que aflição da alma explica um tormento físico, ou vice-versa? A minha asma, coitada, sempre foi massacrada em consultas com médicos alopatas e homeopatas, astrólogos e curandeiros como um mal psicossomático. E pronto.
E aí entram, como lembra Celso, a ancestralidade, as culpas dos que vieram antes e as carências diversas que vieram depois. Celso não diz no livro, mas já me disseram que o asmático adulto sem cura seria um freudiano sem volta.
Pois conto então que já testei dezenas de vezes a relação entre causa e efeito da minha asma, nas mais variadas circunstâncias ditas psicossomáticas. Descobri que não há botões certeiros que acionem crises.
Há exatos quatro anos, quando enfrentei um drama de saúde que quase acabou comigo, minha asma sumiu. Um médico alertou: ela vai voltar. Nesses quatro anos, nada. Até que, no final de outubro, reapareceu de forma branda.
Virgínia, minha mulher, psicóloga, me aconselhou: é hora de procurar ajuda. Eu não sabia se de um médico, de um analista ou de um neurocientista. Queria ver até onde iria a falta de ar.
E tive então o que esperei por quatro anos: uma crise fantástica, diurna e noturna, com sofrimento intenso e forte abatimento moral. O mais espetacular ataque de asma em 15 anos.
Celso é meu amigo e sabe o que passei. Estarei quarta, às 20h, na Feira, para pegar seu autógrafo. A única coisa que não espero dele é que tente um dia me explicar a volta da minha asma. Ele sabe muito bem o que passei nesses quatro anos em que me senti abandonado.
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