quarta-feira, 18 de novembro de 2015



18 de novembro de 2015 | N° 18359 
FÁBIO PRIKLADNICKI

SAMPA


Depois de morar oito anos em São Paulo, na infância, demorei para voltar lá. Talvez uma década. A primeira visita depois disso motivou sentimentos confusos: a estranha sensação de ver o prédio onde eu morava, a constatação de que o clube que frequentava não é tão grande quanto parecia, enfim, o esforço para não ter a imagem idealizada do passado demolida pela visão crítica da maturidade. Com o tempo, a nostalgia foi dando lugar a um olhar prospectivo.

Toda essa digressão é para contar que voltei a São Paulo, novamente, para um fim de semana de cultura, que está entre as melhores coisas que a cidade pode oferecer. É sempre arriscada a conclusão de um turista devido à amostragem restrita, mas ao mesmo tempo o olhar estrangeiro chama a atenção para o que está naturalizado aos locais. Caminhamos, minha namorada e eu, por ruas degradadas, entre pessoas fumando crack, para chegar à Sala São Paulo, e por uma região central meio deserta, meio terra de ninguém, até o Centro Cultural Banco do Brasil. 

Ilhas de segurança em meio ao caos e à violência. A impressão é que nenhum dos frequentadores desses espaços culturais circula ao redor, parece que já surgem lá dentro, como em um passe de mágica. Perto dali, nos dois casos, uma viatura marca presença – assim, em um fim de semana qualquer.

Estivemos em regiões mais prósperas da cidade, mas aquelas duas visões me marcaram. Será que Porto Alegre ficará assim? Será que já estamos assim e não percebemos?

Não cometerei o exagero de dizer que não voltarei a São Paulo, como fez Caetano Veloso com relação a Tel-Aviv. Apesar das contradições, São Paulo (e Tel-Aviv, pois já estive lá duas vezes) guardam os encantos de uma cidade cosmopolita. Posso enumerar meus motivos: o cardápio de peças teatrais tão extenso que provoca a angústia da difícil seleção (assistimos a Urinal, o Musical, do Núcleo Experimental, e A Tempestade, versão abrasileirada de Gabriel Villela para Shakespeare, ambas recomendadíssimas), o mesmo com a oferta de exposições (como não ver a de Tadeusz Kantor e a de Frida Kahlo e as surrealistas mexicanas?), isso sem falar na Osesp, cuja sala sinfônica é uma das melhores do mundo – lá assistimos ao Concerto para Piano nº 2, de Tchaikovsky, com Alexander Gavrylyuk e regência de Neil Thomson.

No fundo, acho que sim: apesar de tudo, alguma coisa ainda acontece no meu coração que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João.

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