sábado, 21 de novembro de 2015


22 de novembro de 2015 | N° 18363 
PAULO GERMANO

A maconha que fumei


Já fui maconheiro. Fumava de dois a três baseados por dia.

No início, era bom: tocava nos Gabardines, saudosa banda de rock dos tempos da faculdade, e as letras e melodias me assaltavam a mente e me escorriam pelos dedos com incontrolável facilidade. Uma usina de criação, era o que eu era.

O lado ruim se manifestava na rua. Havia sempre alguém me olhando. Com o tempo, havia sempre alguém me julgando – e me achando ridículo. Meu primeiro ataque de pânico foi num show do Mark Knopfler, no Gigantinho, quando tive a clara impressão de que o próprio Mark Knopfler me achava ridículo: o olhar dele me encontrava o tempo todo em meio a 14 mil pessoas que também me achavam ridículo, e tive a certeza de que Mark pensava:

– O que faz no meu show um rapaz tão ridículo? Desmaiei.

A paranoia continuou me perseguindo, não conseguia mais me aproximar de mulher nenhuma. A criatividade do início deu lugar a uma lentidão de raciocínio devastadora. Virei um recluso improdutivo. E cada vez mais me sentia burro e feio e principalmente ridículo.

Conclusão: a maconha faz mal. Talvez tenha feito pior para mim do que para outros, mas conheci e ainda conheço dezenas de usuários, já entrevistei psiquiatras e neurologistas de todas as correntes e sei que a maconha faz mal.

Se sou contra a descriminalização? Pelo contrário. Sou a favor inclusive da legalização, que golpearia um mercado negro livre de impostos, reduziria o financiamento do crime organizado – a maconha é de longe a droga mais consumida – e reconheceria os dependentes como doentes, que é o que eles são e é o que fui, e não como marginais.

Mas defender a legalização nada tem a ver com a crescente glamourização da droga entre os jovens. Na semana passada, Rihanna, umas das cantoras mais bem-sucedidas da atualidade, anunciou o lançamento de sua própria marca de maconha: MaRihanna (bom trocadilho, admito) será lançada no primeiro semestre de 2016 no Colorado, nos Estados Unidos, onde a erva é legal.

– É a primeira marca de maconha verdadeiramente mainstream no mundo, e tenho muito orgulho disso – declarou a cantora, e até agora não pude compreender o motivo do orgulho.

Há três meses, alguns artistas liderados por Gregório Duvivier postaram fotos em redes sociais acendendo um baseado. Em tese, seria uma campanha pela descriminalização da droga. Na verdade, não passava de uma apologia ao uso da droga: “Saia do armário, poste você também”, escreveu Gregório, estimulando seus seguidores a publicarem imagens com a mesma pose.

Aparentemente contestador, esse tipo de postura com arzinho rebelde não pode ser mais paradoxal quando envolve artistas identificados com bandeiras tão nobres como a liberdade feminina (no caso de Rihanna) e todos os flagelos sociais do Brasil e da humanidade (no caso de Gregório). Que sentido podem ver no incentivo ao consumo da maconha?

Do álcool à heroína, droga nenhuma faz bem a uma sociedade. Usá-las ou não é uma escolha pessoal, mas uma sociedade consciente entenderá a importância de enfraquecê-las, como o cigarro já foi enfraquecido – e só se enfraqueceu porque é uma droga legal, porque foi combatido e tratado como problema de saúde.

Quanto aos meus ataques de pânico, já passaram. Deixei a maconha faz tempo, hoje só fumo cigarro.

Sei que você torceu o nariz para a última frase. Com toda a razão.

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