terça-feira, 10 de novembro de 2015



10 de novembro de 2015 | N° 18351
ARTIGOS - CARLOS ANDRÉ MOREIRA*

AS DUAS FEIRAS 


Frequento a Feira do Livro há mais de 20 anos. Trabalho como jornalista na cobertura do evento há 12 anos, 10 deles ininterruptos. E, a cada edição, a festa na Praça da Alfândega me faz chegar a duas impressões simultâneas, embora distintas.

A primeira é de que para muitos como eu ou outros que conheço – jornalistas, escritores ou gente que não é nenhum dos dois mas frequenta livrarias o ano todo –, a Feira não anda tão atraente há tempos: os descontos andam sumidos ou, quando praticados, não chegam a constituir um atrativo de fato, porque o livro já é caro na origem, e o desconto amortiza o impacto, mas não o dilui. Não tento generalizar a partir de uma impressão pessoal, mas venho notando um gradativo declínio no número de livros que eu costumava comprar de uma Feira para outra – o que é engraçado, porque concluo que adquiria mais livros nos balaios da Feira quando ganhava uma merreca em estágios, em meados dos anos 1990, do que hoje.

Claro que a própria Feira está sendo realizada com pouco mais da metade do orçamento do ano passado. O que me leva à segunda impressão, como jornalista, não creio que seja possível formar impressão ignorando números – por mais que os textões de redes sociais tentem provar o contrário. 

E os primeiros números de uma Feira bastante reduzida como a deste ano mostraram vendas 24% maiores do que as do mesmo período do ano passado. Ao mesmo tempo, para muitas das pessoas com quem conversei na Feira, o passante eventual, o sujeito que espera a Feira para ver livros (e às vezes comprar só um), o frequentador que gosta da praça como um programa social no Centro já tão abandonado, para esses a Feira é um sucesso, e a Feira deles é tão válida quanto a minha.

Por herético que pareça dizer algo assim, a Feira não é exclusiva de leitores já formados, também é uma oportunidade de encontro das pessoas com os livros no meio da praça, não no ambiente por vezes demais protegido de uma livraria. A Feira é um passeio no qual crianças associam livros e histórias a um espaço verde e comum, e quem sabe o que isso poderá fazer no futuro na cabeça desses potenciais leitores? Talvez transformar livros em uma memória associada às melhores experiências de infância, criando um afeto pela literatura que a escola na maioria das vezes não consegue.

São duas feiras que convivem na Praça. E por isso, não se pode dizer agora que uma prevaleça sobre a outra. Porque, mesmo quando a conclusão de muitos é de que a Feira já viu dias melhores, há virtude no fato de que ela faz as pessoas terem esse tipo de debate por duas semanas.

*Jornalista, editor do caderno Proa carlos.moreira@zerohora.com.br

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