sábado, 14 de novembro de 2015



15 de novembro de 2015 | N° 18356 
MOISÉS MENDES

Decapitadas em nome das luzes


O texto que publico hoje foi escrito pela professora Marilia Verissimo Veronese. Cedo o espaço, com muita honra, em nome do movimento #AgoraÉQueSãoElas, de reafirmação dos direitos da mulheres. Marília é docente e pesquisadora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Unisinos.

Fico pensando se, em tempos de deputados que ignoram a importância da filósofa existencialista Simone de Beauvoir para o conhecimento – e parecem ter orgulho de sua ignorância –, alguém lembra quem foi Olympe de Gouges.

Essa moça, em 1791, propôs a Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã, para igualar-se à declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Nacional durante a revolução francesa. Opôs- se abertamente a Robespierre e acabou na guilhotina, em 1793, condenada como “contrarrevolucionária” e mulher “desnaturada”. Ela inspirou minha formação política, sobre a inadequação da concepção das mulheres como um grupo homogêneo e passivo. Ou pior: divididas entre as “direitas” e as “degeneradas”, “para casar” e “para se aproveitar”. Essa distorção, ainda reforçada no senso comum, reproduz formas de masculinidade violenta, presentes em distintos modos de violência verbal, institucional e sexual.

Uma forma de violência institucional é midiática: certas manifestações de “comediantes” e “ex-músicos” com a carreira decadente, por exemplo, nada têm a ver com liberdade de expressão, mas, sim, com uma cultura de ódio; classista, machista, racista e protofascista. Alguns me advertem: “Não banalize a palavra fascismo! Nem tudo cabe nela”. Então, uso o termo protofascismo, que é um estágio precedente – e perigoso – do pensamento e de práticas fascistas.

Repensar a produção na área da indústria cultural – inclusive a indústria pornográfica, consumida por jovens de ambos os sexos e todos os gêneros – para que não seja um festival de incentivo à violência/subjugação, pedofilia e desigualdade de poder é uma questão para construirmos uma cultura da paz, inclusive nas práticas sexuais.

Toda produção midiática é veículo de cultura. Nunca se trata “só de uma piada”, mas de modelos de identificação que reforçam estereótipos e desigualdades nas práticas cotidianas; estas sempre se calcam em um modo de pensar, de conceber as pessoas.

Evitando a erotização da subjugação feminina ou infantil, quem sabe evitamos também práticas violentas. O erótico é o que define o sexo como diferença significativa, enriquecedora e onde cabe a descoberta do outro, com toda a ludicidade que potencialmente guarda. Já a desigualdade tende a ser ruim e nela geralmente está contida a opressão do outro, seja criança, mulher, negro, indígena, pessoa com deficiência, travesti, transgênero.

O gênero, aliás, é uma das formas nas quais a sexualidade é mais vigiada, dado o constante reforço do sistema binário (masculino x feminino) como forma de controle.

Se a bancada conservadora no Congresso Nacional continuar sua cruzada de retorno à Idade Média, penso que em breve a guilhotina será adotada no Brasil. E nós, feministas, decapitadas como Olympe de Gouges o foi em pleno século das luzes! O que mostra o eterno retorno do recalcado e a necessidade de retomarmos o pensamento de mulheres e homens como Gouges, Nietzsche, Beauvoir.

A circularidade nos atormenta, e só o pensamento crítico e reflexivo pode nos fazer avançar como humanidade, em termos políticos, éticos e de conhecimento.

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