terça-feira, 24 de novembro de 2015


24 de novembro de 2015 | N° 18365 
DAVID COIMBRA

Na aurora, o fim do populismo


O novo governo não salvará a Argentina. Se salvar, a Argentina está perdida. Porque nenhum governo tem de salvar qualquer um de coisa alguma. Quando uma nação espera ser salva por alguém ou algum partido, essa nação está no mau caminho.

O novo governo poderá ser ótimo para a Argentina, e também para toda a América Latina, se significar, de fato, o começo do fim da experiência populista no continente.

O populismo, estando à direita ou à esquerda, é péssimo para o povo. O populismo é sempre um mal, mesmo que o populista, eventualmente, pretenda fazer o bem.

O populismo pressupõe a dependência do país de um grupo de pessoas abençoadas, de abnegados dispostos a praticar boas ações e a defender os mais fracos da sanha exploradora dos mais fortes.

Para se consolidar nessa sua condição de herói da massa indefesa, o populista tem de dividir o país em dois grupos: o povo oprimido de um lado e o antipovo opressor de outro. É a sedutora ideia da guerra de classes. Sedutora, sim, porque é agradável pensar que os meus problemas são causados por pessoas malvadas, dispostas a espoliar os inocentes como eu. Esse pensamento produz grande alívio e me poupa de muito esforço. E tudo fica fácil: para identificar o vilão ou o mocinho, basta saber quanto ele ganha.

Então, o populista, na administração dos recursos do Estado, distribui parte deles para o “povo”, e o faz de graça, generosamente, como uma forma de equilibrar a ação dos malignos antipovo.

Como o populista faz isso? Por meio de programas.

O populista jamais cria estruturas, a não ser as que lhe permitam continuar no poder. O populista não ajuda a construir uma nação; ele apenas ajuda os que, de alguma forma, ajudam no seu projeto de eternização de mando.

Pense num pai, numa mãe. Se tivermos sorte, morreremos bem antes de nossos filhos. O que é mais importante deixar para eles? Maços de dólares? Ou valores intangíveis que façam deles pessoas que mereçam a felicidade? Os dólares, você sabe, podem ser tomados ou dissipados. Os valores, não. Mas o populista é o pai que deixa os dólares, porque assim ele parece mais bonzinho.

Os governos argentino e brasileiro são populistas. Justificam-se por seus programas sociais. Quando ameaçados pela oposição, alegam que, se saírem do poder, os programas sociais serão suprimidos. Se esses governos não fossem populistas, os benefícios sociais não seriam dados por programas. Seriam garantias de Estado, não dádivas de governo.

Nenhum brasileiro ou argentino devia passar fome. Isso devia ser assegurado pela Constituição, não pela boa vontade de um pai dos pobres.

O país não pode depender do governo para funcionar bem. O governo é, tão somente, o agente que executa a lei, que garante a segurança, que atua como fiscalizador do cumprimento do acordo social, não como protagonista da sociedade.

A Argentina e o Brasil estão há quase um século se refocilando entre populistas de direita e de esquerda. Perón e Vargas começaram o processo. Houve o contraponto dos militares. E, agora, os dois países espadanam no kirchnerismo e no petismo. O método foi sempre o mesmo. Administração por meio de programas, seja o Minha Casa Minha Vida, seja o BNH. Culto a personalidades, seja Médici, seja Lula. Investimento grandiloquente em obras, seja o PAC, seja o PND.

Não faz diferença. Nunca fez. Mas, se a América Latina estiver mesmo se livrando do populismo, talvez a sociedade entenda que as nações são mais importantes do que os governos. Que, como disse Zapata, povos fortes não precisam de líderes fortes. Que ninguém se liberta se depender de um libertador.

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