04
de janeiro de 2015 | N° 18032
ANTONIO
PRATA
2014: noves fora,
sete
Logo depois da tragédia foi aquele Deus nos acuda.
Parecia que ia cair o presidente da CBF, a presidente da república, iam
cancelar o Domingão do Faustão, mudar o carnaval pra agosto e transferir a
capital brasileira pra Buenos Aires (ou Berlim?). Nos últimos meses, contudo, o
choque foi passando e deixamos de tocar no assunto, mas tenho certeza de que lá
longe, num futuro distante, quando olharmos pra trás e nos perguntarmos “E em
2014, hein?
Que
que aconteceu, mesmo?”, não lembraremos da Dilma nem do Aécio, do início da
abertura em Cuba ou da pá de cal no Orkut, do pouso da sonda Rosetta ou da
ascensão do pau de selfie: engoliremos em seco e diremos, ainda aflitos diante
da recordação; “ah, foi o ano do 7 X 1” .
Naquela
terça terçã, 08 de julho, havia no Mineirão cinquenta e oito mil cento e
quarenta e um torcedores – e esse um era eu. Quando saí do estádio – perplexo,
atordoado –, meu telefone começou a tocar. Eram amigos, primos, tios, meu pai.
Perguntavam como tinha sido a experiência, in loco, mas queriam mesmo era
conferir, desconfio, se eu estava vivo. A coisa tinha sido tão absurda que não
seria fora de lugar se um daqueles chutes da Alemanha, em vez de fazer o oitavo
gol, houvesse me acertado a testa.
Absurdo:
essa talvez seja a melhor palavra pra descrever o que se passou naquela tarde.
Quando, aos 29 minutos do primeiro tempo, Khedira recebeu livre próximo à marca
do pênalti e chutou no canto direito do gol brasileiro, marcando o quinto tento
teutão, eu senti uma aflição profunda e não inteiramente desconhecida. Fechei
os olhos, folheei mentalmente meu caderninho de angústias e descobri o que era:
uma bad trip de ácido. Você sabe que está embarcando numa viagem ruim, sabe que
vai piorar e sabe que não há nada que possa fazer para alterar o destino. Resta
render-se aos entulhos mais fedidos do seu subconsciente e esperar que passe o
efeito.
Num
estádio, no entanto, não há a alternativa da rendição. Afinal, ali, cada
torcedor tem a ilusão delirante de ser capaz de mudar o destino do jogo. Tudo
bem, em casa você também acha que pode influenciar no resultado passando do
Sportv pra ESPN e da ESPN pra Band e da Band pra Globo e da Globo pro rádio AM,
trocando de cueca ou comendo amendoins com a mão esquerda, mas todo ser
racional sabe que a mandinga funciona bem melhor de corpo presente do que via
cabo ou satélite. E se trocássemos de lugar? E se cantássemos o hino, de novo?
(Ou Aquarela do Brasil?) E se vaiássemos?
Durante
os 60 lodosos minutos que se seguiram ao quinto gol, cada torcedor fez o que
achou necessário, criando uma cacofonia bisonha. O Mineirão parecia um
gigantesco formigueiro mijado. O equilíbrio só se restabeleceu nos últimos
minutos: a torcida brasileira vaiava em uníssono, enquanto a torcida alemã
cantava, a plenos pulmões: “Brasil! Brasil! Brasil!” – e tenho certeza de que
eles não estavam sendo irônicos, estavam era com pena, tentando dar uma força.
Um,
dois, três, quatro, cinco, seis, sete – e um nosso, no finalzinho, como a
azeitona no dry martini (deles). Absurdo.
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