quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


21 de janeiro de 2015 | N° 18049
MARTHA MEDEIROS

O parto ideal

O governo está preocupado com a quantidade excessiva de cesarianas feitas no Brasil (mais de 55%, quando a OMS recomenda que não passe dos 15%) e está tomando providências para desestimular o procedimento. A intenção é boa.

Tive duas filhas de parto normal. Impossível descrever a sensação. Se doeu? A anestesia peridural doeu um pouco, mas o resto foi um passeio. Ou assim me pareceu, pois a potência emocional do momento é tanta, que a dor se dilui no êxtase. É muito diferente de entrar no hospital para operar uma perna ou levar pontos na cabeça. Entrar num hospital para ter um filho é sublime, e o sublime sempre atenua desconfortos.

Esta sou eu falando, não você. Cada qual com sua experiência.

Seria ótimo se as mulheres tivessem essa visão desestressada do parto, assim não se assustariam à toa e não programariam cesarianas a torto e a direito. No entanto, apesar de eu ser uma militante do parto normal, algo me incomodou ao saber que os planos de saúde poderão negar pagamento a médicos e hospitais se eles não provarem que a cesariana foi realmente necessária. Humm. Entrou dinheiro no assunto.

Todo parto é emergencial. Pode ter corrido tudo bem durante o pré-natal e na hora H surgir um contratempo relacionado ao bem-estar do bebê (tornando a cesariana indicada) ou relacionado ao bem-estar da mãe: sabe-se que ela está com os nervos à flor da pele na sala cirúrgica, vivendo uma experiência inédita.

Nada impede que se acovarde e que seu coração salte pela boca antes de o filho vir ao mundo. Toda gestante, principalmente as de primeira viagem, tem uma pequena chance de surtar. Não existe nenhum motivo para isso, mas vá quê.

Logo, não me tranquiliza a ideia de um médico, em hora tão delicada, ter como primeira preocupação se irá ou não receber os honorários caso opte por uma cesárea difícil de justificar. A simples vontade da mãe será desconsiderada como argumento, então, ou ele fraudará o partograma (documento em que se registra o histórico da gestação e as razões para os procedimentos adotados), ou irá aguardar que o parto aconteça de forma natural, a despeito da angústia materna. Angústia não é o clima ideal para o momento, convenhamos.

O ideal seria que as mulheres encarassem o parto como uma ocasião mágica, sem ficarem assombradas por uma dor que pode ser aliviada com anestésicos. Ideal seria que a opção da cesariana não obedecesse a critérios supérfluos, como definir o mapa astral do bebê ou dar à mãe a chance de ir ao cabeleireiro antes de rumar para a maternidade.


Ideal seria que os médicos dividissem a tarefa com parteiros e assistentes bem treinados, para não terem que fazer cesáreas em escala industrial a fim de dar conta da demanda. Mudança de mentalidade é sempre o ideal, mas como não rola, salta aí uma medida do governo para tentar mudar os índices a fórceps.

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