01
de fevereiro de 2015 | N° 18060
L.
F. VERISSIMO
Sonoplastia
Carlos
Alberto e Maria Cristina estão num motel. Toca o telefone celular que ele
deixou na mesinha de cabeceira ao lado da cama redonda. É a mulher de Carlos
Alberto, Cynara.
CARLOS
ALBERTO – Oi, bem.
CYNARA
– Onde você está?
CARLOS
ALBERTO – Ora, onde eu estou. Onde é que eu estou, todos os dias, a esta hora?
Num engarrafamento.
CYNARA
– Vai demorar muito?
CARLOS
ALBERTO – E eu sei? Há meia hora que eu estou parado aqui. O trânsito não anda.
Só andam os motoboys. Você não ouve a buzina deles, passando?
CYNARA
– Não.
CARLOS
ALBERTO (PARA MARIA CRISTINA, TAPANDO O FONE) – Faz barulho de boy.
MARIA
CRISTINA – Muuuu...
CARLOS
ALBERTO (TAPANDO O FONE OUTRA VEZ) – Mu, Maria Cristina? Mu?!
MARIA
CRISTINA – Você disse barulho de boi.
CARLOS
ALBERTO – De boy, Maria Cristina. De motoboy passando e buzinando!
MARIA CRISTINA (IMITANDO BUZINA) – Bi, bi.
Bi-bi. Bi-bi. Bi...
CARLOS
ALBERTO – Ouviu as buzinas?
CYNARA
– Eu ouvi um “muuuu”.
CARLOS
ALBERTO – Acredite ou não, acabou de passar uma vaca por aqui. Tem vaca na
pista, dá pra acreditar? O trânsito desta cidade está tão bagunçado que tem até
vaca solta...
CYNARA
– Carlos Alberto...
CARLOS
ALBERTO – Olha, apareceu um guarda. Ó seu guarda! (PARA MARIA CRISTINA, TAPANDO
O FONE:) Faz voz de homem. Finge que é um guarda.
MARIA
CRISTINA (COM VOZ GROSSA) – Pois não, cavalheiro.
CARLOS
ALBERTO – Por que está tudo parado? Estou aqui há meia hora, no mesmo lugar.
Houve alguma coisa?
MARIA
CRISTINA (COM VOZ DE GUARDA) – Capotou um caminhão carregado de animais, ali na
frente. Espalhou bicho pra tudo que é lado.
CARLOS
ALBERTO – Boa, boa. Quer dizer, que coisa horrível. Então era uma vaca mesmo
que passou por aqui. Eu já estava pensando que era alucinação minha. Esse
trânsito enlouquece qualquer um!
MARIA
CRISTINA (COM OUTRA VOZ) – Vai uma água aí, doutor?
CARLOS
ALBERTO – Não, obrigado.
MARIA
CRISTINA (COM OUTRA VOZ) – Biscoito. Olha o biscoito.
CARLOS
ALBERTO – Não. Ouviu só, Cynara? É só parar o trânsito que aparece vendedor de
tudo...
MARIA CRISTINA – Bi-bi, bi-bi, bi-bi...
CARLOS
ALBERTO – E não para de passar motoboy!
MARIA
CRISTINA – Mé...mé...mé...
CYNARA
– O que é isso?
CARLOS
ALBERTO – Ovelhas. Devem ser do caminhão que capotou. Nós estamos cercados de
ovelhas.
CYNARA
– “Nós”, Carlos Alberto?
CARLOS
ALBERTO – Eu. Eu e o carro. Eu e os outros motoristas.
CYNARA
– Você está com alguém no carro, Carlos Alberto?
CARLOS
ALBERTO – Olha, o trânsito começou a andar. Vou ter que desligar!
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