SAMY
ADGHIRNI
A cidade que
morde
Violência
triunfa na capital da Venezuela
Se
você se espanta com a violência no Brasil, é porque não conhece a Venezuela.
É
simples: as barbaridades que afligem os brasileiros ocorrem aqui em escala
exponencial. Assassinatos, por exemplo. O escritório da ONU sobre drogas e
crime aponta Caracas como vice-campeã mundial em homicídios, perdendo só para
San Pedro Sula, em Honduras.
Em 2013, a capital venezuelana teve 134
assassinatos para 100 mil habitantes. A cidade brasileira mais violenta é
Maceió, que aparece na quinta colocação, com 79/100 mil. É mais arriscado andar
em Caracas do que em Bagdá ou Cabul.
Houve
mais de 2.000 sequestros na Venezuela em 2013 --cinco por dia--, segundo a
empresa de segurança americana Chubb. O dobro do Brasil. Roubos são mais
difíceis de quantificar, já que a maior parte não é registrada. Mas basta
conversar com qualquer caraquenho para entender que o Brasil, por mais tenso
seja, não chegou lá. Moradores de Caracas costumam avisar aos recém-chegados:
"Caracas muerde".
Por
trás deste cenário há impunidade, corrupção generalizada da polícia e
proeminência de facções criminosas.
Questões
econômicas também entram na conta, mas o caso venezuelano desafia a ideia de
que a violência vem do abismo entre ricos e pobres. O índice de Gini, que mede
a desigualdade, é de 0,41, o mais baixo da América Latina.
A
pobreza despencou desde a chegada ao poder de Hugo Chávez, de 49% em 1999 para
26% em 2012, segundo a ONU. Ou seja, a vida melhora, mas a violência aumenta.
PARANOIA
Na
chegada a Caracas, achei um lindo apartamento para alugar. No dia em que eu
assinaria o contrato, um homem foi morto a balas a 50 metros do prédio. Vi aquilo como
sinal, e fui morar em outro lugar.
Mas
um mês depois, um morador do bairro foi baleado por um assaltante em frente ao
meu edifício. O homem ficou tetraplégico.
Na
mesma semana, um funcionário da farmácia da vizinhança foi morto quando abria a
loja. Na última sexta-feira, um professor alemão levou um tiro na cabeça
durante sequestro no edifício onde morava, a duas quadras do meu. Está
internado em estado grave.
Tudo
num intervalo de quatro meses e num raio de dois quilômetros. Tal mãe pagou
resgate para libertar o filho, mas recuperou só o corpo. Um empresário brasileiro
foi sequestrado no banheiro do aeroporto. Um alemão foi morto a tiros na porta
do hotel onde a presidente Dilma costuma se hospedar.
Todos
os cafés, bares e restaurantes ostentam um painel com uma pistola barrada em
vermelho e a inscrição "lugar livre de armas".
No
360, bar com vista panorâmica, clientes só entram depois de revistados com
detector de metais.
Grades
nas varandas e janelas dos edifícios residenciais vão até o sétimo andar.
Também há grades metálicas na porta dos apartamentos, o que dá ares de prisão
ao interior dos edifícios.
NOITE
FANTASMA
Um
vídeo de 2007, disponível no YouTube, se tornou símbolo da barbárie na noite
venezuelana. O DJ britânico Carl Cox, lenda da música techno, está tocando numa
balada em Caracas quando, de repente, o barulho de tiros pipoca. Luzes se
acendem, e quatro corpos jazem sobre a pista de dança.
Por
mais festeiros que sejam os venezuelanos, Caracas tem hoje poucas opções de
saída por causa do temor à violência. Bem diferente do Brasil. Na Venezuela,
shoppings fecham às 20h, e muitos restaurantes, às 22h.
PERIGO
AO LADO
Meu
instrutor de academia é um sujeito engraçadíssimo. Mas um dia ele contou que
havia sido assaltante de carro-forte e que tinha ganhado muito dinheiro no
crime.
Ele jura
nunca ter matado ninguém e diz que saiu da vida bandida depois que policiais à
paisana o sequestraram e extorquiram todo o dinheiro que tinha no banco.
Também
fiquei preocupado no dia em que um taxista "de confiança" começou a
querer saber como eu recebia meu salário do Brasil e se eu ganhava em dólar.
Aos
olhos da reclusa classe média local, o inimigo mora no estrato social de baixo.
A presença dos operários para uma minirreforma no prédio onde moro deixou
moradores tão assustados que alguns pediram para cancelar a obra.
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