domingo, 18 de janeiro de 2015


SAMY ADGHIRNI

A cidade que morde

Violência triunfa na capital da Venezuela

Se você se espanta com a violência no Brasil, é porque não conhece a Venezuela.

É simples: as barbaridades que afligem os brasileiros ocorrem aqui em escala exponencial. Assassinatos, por exemplo. O escritório da ONU sobre drogas e crime aponta Caracas como vice-campeã mundial em homicídios, perdendo só para San Pedro Sula, em Honduras.

Em 2013, a capital venezuelana teve 134 assassinatos para 100 mil habitantes. A cidade brasileira mais violenta é Maceió, que aparece na quinta colocação, com 79/100 mil. É mais arriscado andar em Caracas do que em Bagdá ou Cabul.

Houve mais de 2.000 sequestros na Venezuela em 2013 --cinco por dia--, segundo a empresa de segurança americana Chubb. O dobro do Brasil. Roubos são mais difíceis de quantificar, já que a maior parte não é registrada. Mas basta conversar com qualquer caraquenho para entender que o Brasil, por mais tenso seja, não chegou lá. Moradores de Caracas costumam avisar aos recém-chegados: "Caracas muerde".

Por trás deste cenário há impunidade, corrupção generalizada da polícia e proeminência de facções criminosas.

Questões econômicas também entram na conta, mas o caso venezuelano desafia a ideia de que a violência vem do abismo entre ricos e pobres. O índice de Gini, que mede a desigualdade, é de 0,41, o mais baixo da América Latina.

A pobreza despencou desde a chegada ao poder de Hugo Chávez, de 49% em 1999 para 26% em 2012, segundo a ONU. Ou seja, a vida melhora, mas a violência aumenta.

PARANOIA

Na chegada a Caracas, achei um lindo apartamento para alugar. No dia em que eu assinaria o contrato, um homem foi morto a balas a 50 metros do prédio. Vi aquilo como sinal, e fui morar em outro lugar.

Mas um mês depois, um morador do bairro foi baleado por um assaltante em frente ao meu edifício. O homem ficou tetraplégico.

Na mesma semana, um funcionário da farmácia da vizinhança foi morto quando abria a loja. Na última sexta-feira, um professor alemão levou um tiro na cabeça durante sequestro no edifício onde morava, a duas quadras do meu. Está internado em estado grave.

Tudo num intervalo de quatro meses e num raio de dois quilômetros. Tal mãe pagou resgate para libertar o filho, mas recuperou só o corpo. Um empresário brasileiro foi sequestrado no banheiro do aeroporto. Um alemão foi morto a tiros na porta do hotel onde a presidente Dilma costuma se hospedar.

Todos os cafés, bares e restaurantes ostentam um painel com uma pistola barrada em vermelho e a inscrição "lugar livre de armas".

No 360, bar com vista panorâmica, clientes só entram depois de revistados com detector de metais.

Grades nas varandas e janelas dos edifícios residenciais vão até o sétimo andar. Também há grades metálicas na porta dos apartamentos, o que dá ares de prisão ao interior dos edifícios.

NOITE FANTASMA

Um vídeo de 2007, disponível no YouTube, se tornou símbolo da barbárie na noite venezuelana. O DJ britânico Carl Cox, lenda da música techno, está tocando numa balada em Caracas quando, de repente, o barulho de tiros pipoca. Luzes se acendem, e quatro corpos jazem sobre a pista de dança.

Por mais festeiros que sejam os venezuelanos, Caracas tem hoje poucas opções de saída por causa do temor à violência. Bem diferente do Brasil. Na Venezuela, shoppings fecham às 20h, e muitos restaurantes, às 22h.

PERIGO AO LADO

Meu instrutor de academia é um sujeito engraçadíssimo. Mas um dia ele contou que havia sido assaltante de carro-forte e que tinha ganhado muito dinheiro no crime.

Ele jura nunca ter matado ninguém e diz que saiu da vida bandida depois que policiais à paisana o sequestraram e extorquiram todo o dinheiro que tinha no banco.

Também fiquei preocupado no dia em que um taxista "de confiança" começou a querer saber como eu recebia meu salário do Brasil e se eu ganhava em dólar.

Aos olhos da reclusa classe média local, o inimigo mora no estrato social de baixo. A presença dos operários para uma minirreforma no prédio onde moro deixou moradores tão assustados que alguns pediram para cancelar a obra.


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