terça-feira, 13 de janeiro de 2015


13 de janeiro de 2015 | N° 18041
MÁRIO CORSO

Vida interior

Devo à formação católica grande parte da minha vida interior. Sem as missas, não sei se teria desenvolvido a imaginação. Logo que comecei a frequentar a igreja, as celebrações mudaram do latim para o português, mas bem poderiam ter continuado assim, para mim seguiu soando grego. Como não entendia o ritual, as rezas prosseguiam alheias. Só restava me entreter com as janelas e os pensamentos.

Não sei se meu órgão da fé é avariado ou a se ideia de um deus zangado, ressentido e exigindo adoração nunca me fez sentido. O fato é que sempre estava na missa dividido. Tentava me conectar com aquela solenidade e não conseguia, então devaneava.

Experimentei várias fases de distração: a matemática, quando contava as pessoas multiplicando o número de bancos pela média dos ocupantes, ou calculava quantas lajotas havia no piso, ou ainda buscava descobrir a altura do teto comparando com animais de que conhecia o tamanho. A fase artística era difícil, pois sempre achei a iconografia das igrejas católicas com um pé no sinistro.

Exceção feita às poucas missas a que fui na catedral de Santa Maria, de belíssima decoração. Minha alma volúvel se deslumbrava com as pinturas de Locatelli e ali fui o mais próximo do bom católico, vencido não pela fé, e sim pela estética. Tive também a fase da pura viagem, tédio total: nessa, simplesmente inventava histórias, conduzia as fantasias aleatórias para filmes mentais. Antecipava os cowboys justiceiros que me aguardavam na matinê, ou os piratas na sua procura obstinada por tesouros.

Mas por que ia à missa se resistia a ela? Porque me mandavam e eu obedecia, seguia os passos dos pais. Minha mãe dentro da igreja junto comigo e meu pai no fundo, às vezes saindo para fumar. Ficava no meio-termo, dentro como minha mãe e com a cabeça lá fora como meu pai.

Da cerimônia, gostava apenas da hora do Pai Nosso, a única oração que conhecia de cor e minha deixa para entrar de verdade na missa, sabendo que já estava agradavelmente no fim.

As missas a que assistia com as minhas avós transmitiam uma sensação diferente. A fé delas parecia mais genuína e contagiante e transformava minha eventual companhia em alta e nobre missão.

De qualquer forma, mesmo sem elas, nunca achei que perdia meu tempo. Afinal, aquela era a minha religião, ainda que pela metade. Eu não acreditava, só que a missa fazia parte fundamental do mundo dos meus sonhos.


Saía da igreja de alma leve, co mo quem tira botas apertadas, como quem lava e seca seus pecados logo cedo e a perspectiva da próxima só em uma semana. A luz forte da manhã de domingo prometia um dia livre e feliz. Havia uma inexplicável alegria extra, vá que Deus fosse tão generoso que abençoasse até os ateus distraídos.

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