22
de janeiro de 2015 | N° 18050
L. F. VERISSIMO | L. F.
VERISSIMO
Azeitona
ELE
– Como se sabe, a humanidade é dividida em duas facções: a dos que comem a
azeitona primeiro e depois tomam o Martini e a dos que deixam para comer a
azeitona depois de tomar o Martini.
ELA
– Noto que seu Martini está pela metade e a azeitona continua intacta.
–
Sou da segunda facção. E você, o que está tomando? – Um Krakatoa. O único drink
no mundo baseado num vulcão. – Vi pela fumacinha...
– O
drink é ruim, mas dizem que, quando se tomam dois, a ressaca no dia seguinte é
uma experiência transcendental. – Isso é verdade?
–
Não se sabe. Até hoje ninguém conseguiu tomar dois. E o seu Martini. Está
perfeito?
– Um
Martini nunca está perfeito, mas é o mais próximo que o Homem jamais chegará da
perfeição. – Na sua opinião, então, um Martini, mesmo imperfeito, é a criação
máxima da humanidade?
– O
Martini e o adágio do concerto para oboé e cordas em ré menor do Alessandro
Marcello. – É isso que deixaremos para a posteridade? Nada mais? Nem uma
catedral? Nem um soneto?
–
Não haverá posteridade. Sei de fonte segura que a civilização ocidental acabará
hoje, às 23:30, hora de Brasília. Impreterivelmente.
–
Assim, de repente?
–
Não é de repente. A civilização ocidental vem decaindo há muito tempo. Vem
morrendo aos poucos. Hoje será o fim definitivo.
– Na
sua opinião, quando foi que começou o declínio da civilização ocidental?
–
Nesse caso, também, as opiniões se dividem. Há quem diga que foi a descoberta
da América por Cristóvão Colombo, um evento com graves consequências históricas
do qual o mundo nunca se recuperou. Outros dizem que foi a invenção da pizza
com abacaxi.
– E
não tem volta? Não deixaremos nada para trás, a não ser ruínas? Seremos a
primeira geração da História sem uma posteridade?
–
Mas isso será ótimo. Você não vê? Uma posteridade significaria gente remexendo
nossas ruínas, tentando nos entender pelo que encontram. O que pensariam de um
vibrador com a cara do George Clooney? E as conclusões erradas a que chegariam?
Confundiriam o Papa com a Peppa! Não, é melhor desaparecer sem rastros. Deixa
eu comer minha azeitona.
–
Mas você ainda não chegou ao fim do seu Martini.
– Eu
sei, mas já são 11:27. Não temos mais tempo.
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