22
de janeiro de 2015 | N° 18050
DAVID
COIMBRA
Às vezes sonho que jogo
futebol
Às
vezes sonho que estou jogando bola. Faz tempo que não jogo, por várias
circunstâncias. Outro dia, fui buscar meu filho na escola e, na saída, passei
pelo pátio e havia uns meninos jogando e a bola veio rolando na minha direção.
Havia
mais de ano que uma bola não rolava na minha direção. Olhei para ela e soltei a
mão do meu filho. Foi como um reflexo condicionado. Em um segundo, o que
existia era eu, a bola e os meninos que jogavam.
Era
uma bola avermelhada, de tamanho oficial. Enquadrei o corpo. Enquanto ela
rolava, meu cérebro processava as alternativas. Tomá-la com as mãos estava
definitivamente descartado – pegar uma bola com as mãos não é possibilidade
para ninguém que goste de jogar futebol.
Pensei
em dar um lançamento por cima das cabeças de três ou quatro meninos que vinham
correndo para mim, até fazê-la aterrissar no pé de um outro maior, no canto
oposto do pátio. Cheguei a sentir a sensação de bater na bola com o lado de
dentro do pé, com aquele ossinho da base do dedão. Eu calçava botinas, mas
sabia que podia fazer aquilo. Ah, podia. Estilo Roberto Rivellino, como nos
velhos tempos do Alim Pedro.
Mas,
não. Seria um prazer fugaz. Seria só um toque, e eu estava há muito tempo em
abstinência. Precisava ficar com ela um pouco mais. Sabia que os pais dos
alunos, os alunos, as professoras, um grupo grande podia estar observando a
cena. Talvez devesse manter a compostura, como se espera de um adulto buscando
o filho na escola. Talvez devesse devolver a bola com mansidão.
Mas
a bola vinha vindo e vinha que vinha redonda e rija e macia, e fazia tempo
demais que não tocava na bola e às vezes até sonhava que jogava e não quis nem
saber. Não quis nem saber! Dominei com a direita e fui para cima dos guris.
Três deles estancaram, surpresos, mas um investiu, tentando me desarmar.
Passei
por ele, ele era pequeno, foi fácil. Arrastei a bola por alguns metros. Meti-me
no meio do jogo. O vozerio dos meninos aumentou, excitados com minha
intromissão. Caíram sobre mim. Queriam a bola. A bola! Riam e gritavam. Como eu
era bem maior, protegi-a com o corpo. Quando um se aproximava, eu pisava em
cima da bola, girava, dava-lhe as costas e o contornava. A gritaria tornou-se
maior. Vieram mais meninos.
Joguei
a bola para trás, afastando-me alguns metros. Então, parei. Levantei a cabeça.
Vi aquele maior, que continuava na ponta de lá. E mandei de trivela. Bati com o
lado de fora do pé direito. Não como Rivellino: como Éder. Ela foi meio
rosqueada, mas foi certo, em curva, por cima das cabeças da gurizada, e parou
onde tinha de parar: no pé do menino maior. O jogo prosseguiu, eles não me
deram mais atenção. Eu arfava, orgulhoso do meu desempenho, feliz, tão feliz,
que podia gritar. Mas não gritei. Meu filho me olhava, interessado. Tomei-lhe a
mão. Enquanto andávamos de volta para casa, disse num suspiro, mais para mim
mesmo do que para ele:
– Eu
andava sonhando com isso...
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