01
de fevereiro de 2015 | N° 18060
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
O terrorismo quer o terror
Na
França, segue o debate sobre o que fazer depois dos atentados terroristas. Não
sei se já há consensos, talvez não haja nunca, ainda mais que neste país a
opinião política é dividida de modo evidente, e os vários modos de pensar e
agir contam com partidos e veículos de comunicação específicos – é uma festa
para um brasileiro como eu acompanhar essa variedade nas bancas. (Também aqui o
jornalismo impresso anda tendo dificuldades, perdendo leitores e tal. O pós-7
de janeiro, porém, está apresentando uma retomada da presença de jornais e
revistas no cenário da opinião pública, com sensível aumento de vendas.)
Um
exemplo: debate promovido pelo jornal Libération, com a participação de várias
representações (um religioso muçulmano não radical, um procurador de justiça e
uma diretora de escola pública de um dos bairros mais dramáticos na questão da
imigração árabe/muçulmana), começou a conversa falando dos 17 mortos, coisa e
tal, até que a professora tomou a palavra para refazer a conta. Vinte mortos,
disse ela.
Os três terroristas, com quem ela evidentemente não compartilhava
nada em matéria política, deviam porém, para ela, entrar na conta. Eram
franceses, que terão passado por talvez uns 50 professores cada, em sua trajetória
escolar. Quero crer que a professora não fez essa nova conta por gosto retórico,
e sim por convicção republicana.
(Agindo
sempre em modo comparativo, me pego indagando como é que nós, no Brasil,
levamos isso. Professores de escola pública fundamental, esses colegas dentre
todos os mais sacrificados, são muitas vezes os primeiros e não raro os únicos
representantes do Estado organizado que entabulam conversa com os pobres,
abrindo um canal, fraco que seja, para que eles possam vislumbrar o que pode
vir a ser uma vida de cidadão.
Talvez um médico ou um enfermeiro de posto de saúde
tenha feito contato antes de chegarem à escola, e é bem provável que depois
agentes da polícia e dos presídios façam contato, mas são os professores talvez
os únicos a manter relação continuada, dando a cara a tapa e assumindo riscos
que a rotina das classes confortáveis nem cogita.)
Sejam
17 ou 20, a conta
continua a ser examinada. O presidente Hollande, que não tem lá esse prestígio
todo, convocou imprensa semana passada para falar de medidas a serem tomadas. Ao
lado de medidas antiterrorismo (foi revisto um corte de orçamento das Forças
Armadas, por exemplo), o centro da proposta envolve justamente a escola.
Tem
grana também no debate, para formação de professores e tal, mas o principal
mesmo são duas diretrizes: uma, todos os alunos de escola, do elementar ao
liceu, quer dizer, Ensino Fundamental e Ensino Médio, deverão discutir de modo
adequado o respeito aos direitos, a solidariedade, a participação na vida
democrática, a cidadania, a laicidade, etc. E outra, as escolas deverão
oferecer aos alunos de todos os níveis um “ensino da mídia”, um âmbito de
estudos em que aprendam como se produz e como circula a informação, numa
sociedade moderna.
Tenho
total simpatia pelas duas propostas. Quanto ao ensino da mídia, faz anos que
postulo esta ideia singela: aula de português tem que ensinar notícia, roteiro,
edição, e não apenas das palavras, mas também das imagens. Assim também o outro
lado, o do civismo republicano. As duas iniciativas incidem direto na opinião pública,
essa instituição inefável, decisiva e tão maltratada, no Brasil especialmente.
Conversando
com um militar brasileiro que está aqui estudando, ele me lembrou que a ação do
terrorismo tem como valor superior, ora, o terror, precisamente. O alvo era e não
era o Charlie, o súper kosher, a policial assassinada. Tudo isso é, para o
terrorista, um caminho para alcançar impacto, para atingir a opinião pública. Esta
mesma opinião que a escola precisa disputar o tempo todo, com a lentidão, a força
e a fragilidade que a caracterizam.
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