sexta-feira, 30 de janeiro de 2015


30 de janeiro de 2015 | N° 18058
DAVID COIMBRA

Vou sair de Cerveró no Carnaval

Meu filho aproveitou a tempestade para fazer um boneco de neve na sacada. Os olhos e o nariz ele montou com três toquinhos de cenoura. Um olho ficou bem mais baixo do que o outro, aí é claro que o boneco foi batizado de Cerveró. Agora trabalho com o Cerveró me encarando com seu olho esquerdo. O direito, não. O direito fita, triste, a parede nua.

Juro que foi só depois de chamarmos o boneco de Cerveró que o Cerveró de carne e osso, não o de neve e cenoura, anunciou que vai processar quem fizer máscaras de Cerveró no Carnaval. Será que o nosso boneco de neve rende processo? Levei medo. Tenho vontade de pedir para o meu filho chutá-lo sacada abaixo, mas o guri se afeiçoou a ele. Eu mesmo, confesso, simpatizei com Cerverozinho. Gostei tanto da pequena criação do meu filho, que acho que ela é bonita. Tem um olho sempre a boiar e outro que agita; tem um olho que não está, meus olhares evita, e outro olho a me arregalar sua pepita.

Mas nem toda a poesia do Chico Buarque haverá de consolar o Cerveró humano. Ele está decidido a levar quem gozar dele para as barras dos tribunais. O que, francamente, me deixa muitíssimo intrigado. O homem foi preso, acusado de ter participado do maior esquema de corrupção da história do Brasil, pode ser julgado, condenado e talvez acabe passando algum tempo na cadeia. E está preocupado com as sacanagens dos foliões no Carnaval!

Talvez Cerveró não tenha sido culpado por toda essa roubalheira, talvez a presidente da Petrobras também não tenha sido, talvez ninguém no governo soubesse de nada do que estava acontecendo na maior empresa brasileira, nem a presidente Dilma, que, além de ser presidente da República pela segunda vez, foi presidente do conselho da empresa, ministra das Minas e Energia, chefe da Casa Civil e “mãe do PAC” na gestão de Lula. É.

Talvez todos eles sejam inocentes. Pode ser. Quem sabe? Mas como eles não viram tudo isso que estava acontecendo? Bilhões sumindo, e ninguém notou... Para onde estavam olhando? A metade dos seus olhares estava chamando para a luta, aflita, e metade queria madrugar na Bodeguita, como bons simpatizantes de Cuba que todos são? É isso? Olhavam alhures e não viam o que se passava sob pelo menos um de seus olhos?

O que podem fazer o contribuinte, o eleitor, o cidadão brasileiro com tudo isso, já que todo mundo é inocente? Protestar não adianta. Reclamar? Pra quem? Chorar? Espernear?


Não, não há muito o que fazer. A não ser... brincar. Gozar disso tudo. Então, Cerveró, me desculpe, mas eu não vou chutar o Cerverozinho da sacada e vou, sim, me fantasiar de Cerveró no Carnaval. E vou convocar meus amigos, todos, a se fantasiarem de Graças Fosters, de Paulos Robertos Costas, de doleiros, de Dilmas. Vamos nos fantasiar deles, que é o que nos resta! Vamos tirar agora mesmo essa nossa fantasia de palhaço.

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