19
de janeiro de 2015 | N° 18047
CÍNTIA
MOSCOVICH
DEPOIS DA
LENTILHA
A
gente nem bem se recuperou da lentilha do Réveillon e começam as más notícias:
atentado contra o Charlie Hebdo, carnificina do Boko Haram, terrorismo na Bélgica
– entre outras.
Mas
uma notícia, que parece ser a mais inofensiva, me causou grande inquietação.
Dos quase 6,2 milhões de candidatos que fizeram o Enem, 8,5% tiveram nota ZERO
na redação. É duro: mais de 500 mil alunos que concluem o Ensino Médio não
conseguem escrever uma composiçãozinha na língua-mãe. Meio milhão de
despreparados que ali adiante vão dar um jeito e ingressar na carreira
universitária.
Caio
Blinder, jornalista da GloboNews, lastimava o pouco caso com que os brasileiros
trataram o atentado contra o Charlie Hebdo e a morna manifestação da presidente
contra o terrorismo – aliás, bastante diferente do que fez ao condenar Israel
pelas conflitos na Faixa de Gaza em julho. (Quanto às mortes na Nigéria, parece
que a África fica em outro mundo.)
Os
fatos de os brasileiros darem de ombros para um atentado terrorista que fere a
liberdade de expressão e de chover zeros na redação do Enem têm íntima relação.
Blinder está certo quando diz que nossa mentalidade é provinciana e que
pensamos que não temos nada a ver com o que acontece “lá fora” – exceto quando
se trata de algo tão espetacular quanto aviões explodindo contra as Torres
Gêmeas. Há total falta de indignação e de empatia com as vítimas, que vem menos
da insensibilidade e mais da alienação.
O
desinteresse esvazia a capacidade de análise crítica das pessoas, que passam a
emitir juízos de valor levianos e cínicos. O quadro do ensino e da pesquisa vai
ainda piorar com terrorismo oficial representado pelo corte de verbas para a
Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e
para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico),
entidades que deveriam ser as primeiras a ser chamadas para a construção da
“pátria educadora” de que fala a presidente reeleita.
Não
há muito o que fazer, eu lamento. Sugiro combater todos os terrorismos. Todos.
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