RUTH
DE AQUINO
16/01/2015
21h42
A pátria que deseduca
A língua
portuguesa é achincalhada por presidentes, governadores – e a população em
geral
A
quem interessa um povo que não sabe raciocinar, não sabe ler, não sabe
escrever, não sabe argumentar? A ninguém, apenas a ditadores. Por isso, até em
benefício próprio, para marcar seu nome na História, a presidente Dilma
Rousseff escolheu um slogan apropriado para seu segundo mandato: “Brasil, pátria
educadora”. Ela ainda não sabia que o resultado do Enem (Exame Nacional do
Ensino Médio) de 2014 mostraria o fracasso de seu primeiro mandato na Educação,
quando teve três ministros na Pasta. Mais de meio milhão de jovens tirou nota
zero na redação – cuja nota máxima era 1.000.
A
palavra para definir a nota zero da redação, nessa escala, é “catástrofe”. De 2013
para 2014, o número de zeros na dissertação do Enem quase quintuplicou. Não
relativizem o resultado. Uns dizem que o tema “ética na publicidade infantil” era
difícil. Outros, que os corretores foram rigorosos demais. Ainda há os que não
acham importante uma dissertação no Enem.
O
ministro da Educação, Cid Gomes, minimiza a queda nas notas de português e
matemática: “O que é importante é a média. Na média, menos 1% está na margem de
erro”. A média é um recurso medíocre para justificar o injustificável. Quando
viu o resultado pior dos alunos de escolas estaduais, Cid Gomes admitiu: “Não dá
para fugir, camuflar ou tentar dizer que o ensino público é bom. O ensino público
brasileiro está muito aquém do desejável”.
O
vexame não surpreende a quem vive da palavra escrita e oral. A língua
portuguesa é achincalhada por nossos presidentes, ministros, governadores,
senadores, deputados, executivos, empresários e, claro, pela população em geral.
Ortografia, concordância e regência verbal erradas, vocabulário pobre e ausência
de um pensamento coerente.
Não é
preciso ir à Europa para encontrar povos que se expressam direito em sua língua
materna. Basta ir à Argentina. Com toda a crise de nossos hermanos e a decadência
de suas universidades, ali está um povo articulado, que sabe ler e escrever, e
tem um raciocínio com começo, meio e fim. Não há analfabetos funcionais
concluindo o ensino médio.
O
que aconteceu no Enem de 2014? Ao todo, 8,7 milhões de alunos da última série
do ensino médio inscreveram-se no concurso. Mas só 6,2 milhões apareceram no
exame. A nota máxima de cada prova é 1.000. Só 250 tiraram a nota máxima na
redação e 529.374 alunos tiraram zero. Desses, 280.903 entregaram a prova em
branco porque não faziam a menor ideia de nada.
Dos
outros zeros, 217.300 fugiram do tema (talvez inspirados em nossos políticos,
que fazem o mesmo nos debates), 13 mil copiaram o texto motivador, 7.800
escreveram menos de sete linhas, 3.300 incluíram textos desconectados, 955
ofenderam os direitos humanos. A média em matemática também ficou abaixo da
metade, 476,6 pontos. No meu tempo, abaixo de 5 significava reprovação. Mas “reprovação”
virou tabu na pátria do PT, desde Lula, que nunca achou grande coisa saber
português ou gostar de ler.
Em
artigo para o jornal O Globo, a filósofa Tânia Zagury diz: “Só de ouvir falar
em reforma na educação, eu me arrepio”. Após mais de 40 anos de trabalho na área,
ela afirma que cada programa reativa o que foi banido, joga no lixo as
cartilhas, abandona boas ideias, mas mantém algo sempre: a queda da qualidade
no ensino. A última “revolução” foi a “progressão continuada”, o que,
traduzindo em bom português, significa aprovação automática. Para “camuflar” a
repetência no 1o ano e evitar evasão escolar.
A
repetência aumentou no 6o ano, quando acabava a aprovação automática. O que foi
feito para resolver “o probrema”? Os professores são pressionados a não
reprovar. “Teria sido lindo aprovar todo mundo se não tivesse sido à custa do
saber”, diz Tânia. Todos se formam, ficam felizes, o governo de Dilma ainda mais
porque exibe estatísticas infladas. E não se aprofunda nenhum conhecimento.
Esse
não é um destino inescapável. Slogans e discursos não bastam para educar crianças
e jovens. Menos roubo e desvios na verba para escolas, uma gestão responsável e
focada no ensino fundamental, base de tudo, a valorização do professor em salário
e autoridade e maior participação da família. A receita é conhecida. O Brasil só
não a adotará se houver a intenção oficial de tirar proveito de um povo sem
instrução. Escolas não são fábricas. Dói imaginar que o objetivo seja formar
cidadãos que não pensem, não leiam, não escrevam, não critiquem. Uma triste
linha de montagem destinada a ser manipulada.
O
resultado da falta de educação é, além do subemprego, essa multidão de menores
carentes que depredam ônibus, assaltam e matam, rindo, sem dar valor ao patrimônio
e à vida. Por enquanto, o Brasil é uma pátria que deseduca.
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