quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


21 de janeiro de 2015 | N° 18049
MOISÉS MENDES

O flagelo argentino

Os argentinos têm mais um cadáver para as conversas com seus psiquiatras. O promotor Alberto Nisman, que investigava Cristina Kirchner, foi encontrado morto na segunda- feira, no dia em que deveria comparecer na Câmara para dizer o que havia descoberto contra a presidente. Na Argentina, uma morte assim transforma tormentos pessoais em dramas coletivos.

Nada é fácil para os argentinos, mesmo que eles sejam donos de certezas absolutas, como a de que têm os três melhores jogadores de futebol de todos os tempos – Di Stéfano, Maradona e Messi. Que é argentino o mais genial escritor do século 20, Jorge Luis Borges, e que o segundo melhor também é argentino, Julio Cortázar. Até Gardel eles decidiram que é argentino, porque o melhor cantor de tango não poderia ser uruguaio.

Meu amigo jornalista Hamilton Almeida morou em Buenos Aires a partir de 1994, no início de um período em que o país pretendia ser o centro do universo. Hamilton cobriu o atentado.

Os tempos eram de terrorismo e de exuberância econômica. Um peso comprava um dólar. Todas as praias seriam argentinas, além de Canasvieiras. O obelisco da Avenida 9 de Julio era o para-raios das coisas boas do planeta. A Argentina seria uma potência mundial.

Hamilton me levou várias vezes às churrascarias com as melhores carnes do mundo. Depois da meia-noite, andava-se a pé pela cidade, sem medo de nada. Buenos Aires era a mais segura cidade do mundo.

Eles viviam o boom do Mercosul, as empresas brasileiras ficariam ricas na Argentina. Durou pouco. Hamilton morou na Villa Crespo até 2001, quando a situação já estava deteriorada. Vendeu o apartamento na Calle Gurruchaga e veio embora.

Em dezembro, o governo De la Rúa implantou o corralito, o mesmo golpe aplicado por Collor aqui, e bloqueou os depósitos bancários. Hamilton já estava instalado em São Paulo. Escapou por pouco.

Agora, mora numa cidade em que falta água. Mas os corruptos envolvidos no superfaturamento do metrô e os gestores que deixaram faltar água tratam tudo com serenidade e humor.


Imagine se os personagens desses dramas e dos roubos na Petrobras fossem argentinos. Ninguém no Brasil, nessas circunstâncias, cometerá os excessos que eles cometem. Haverá sempre uma sensação de demasia na pretensão de flagelos pessoais que almejam virar tango nacional.

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