18
de janeiro de 2015 | N° 18046
L.
F. VERISSIMO
Sorrisos
É
uma convenção jornalística, não é uma norma, mas todas as pessoas cujas fotos
aparecem em crônicas sociais têm que estar sorrindo. Você já notou? As pessoas
fotografadas não precisam ser bonitas, se bem que isto ajuda. Não precisam ser
muito importantes – notáveis sim, mas não necessariamente importantes. Mas têm
que estar felizes.
A
convenção se justifica. Quem quer ver caras fechadas numa crônica social, a
seção do jornal em que se comemora o bom convívio humano? As crônicas sociais
não tratam apenas de amenidades. Não são só fofoca e badalação. Podem ser
informativas, podem até, às vezes, dar furos. Enfim, podem ser sérias. Mas nas
fotos ninguém pode ser sério. Nas fotos todos sorriem. Todos.
Coisa
engraçada, o sorriso. Você já parou para pensar no sorriso? O ser humano faz o
contrário de outros bichos, que mostram os dentes para assustar um inimigo ou
repelir uma ameaça. Nós mostramos os dentes para provar que não representamos
ameaça alguma, que somos pacíficos e simpáticos. Nossos dentes – como os dos
bichos – são nossas armas mais evidentes, sem trocadilho. Se a evolução fizesse
algum sentido, nós hoje estaríamos mostrando os dentes como fazem os outros
primatas, como reação ao perigo ou prenúncio de ataque.
Mas
em algum estágio da evolução nossos dentes deixaram de ser armas escondidas e
se tornaram convites ao diálogo, à amizade e, talvez, ao amor. Só revertemos à
nossa origem ao nos atracarmos com uma costela, daquelas de comer grunhindo.
Pequeno
interlúdio tipo nada a ver. No outro dia, revi na televisão o filme Cinderela
em Paris (Funny Face). E confirmei: a Audrey Hepburn tinha o sorriso mais
bonito da história do cinema, possivelmente da história do mundo.
Nestes
dias que nos assolam, é importante encontrar um abrigo das más notícias. Só a
cara dos netos não basta como escape e lembrança de que nem tudo escurece e se
degringola. A proverbial ilha deserta com meus livros e meus discos é uma
possibilidade remota. E, mesmo, não haveria tomada para o som e eu odeio praia.
Um retiro espiritual no Tibete? Certo, desde que tivesse um cinema e um bom
restaurante por perto. Já que a fuga da realidade é difícil e o longo hábito de
ler os jornais não nos abandona, decidi me concentrar no noticiário esportivo.
No futebol, apenas o futebol e dane-se a vida. Mas o futebol está em recesso. E
quando voltar será o mesmo futebol do ano passado, um martírio e não um
esporte. E ainda por cima o Botafogo em recesso permanente! Agora, como o
futebol não é refúgio, faço o seguinte: leio as manchetes da primeira página, o
suficiente para me desesperar, e vou direto para a crônica social.
Entende?
Peço asilo na crônica social. Sei que lá só encontrarei gente alegre, que
possivelmente nem sabe o que está acontecendo no resto do jornal e do mundo, ou
sabe e não se importa. E continua sorrindo. É fácil fazer amigos na crônica
social. A conversa flui, todos se entendem, todos se gostam. Todos têm
histórias para contar: de viagens feitas, de livros lidos e filmes vistos, de
afetos e desafetos, de bons negócios. Todos são felizes na crônica social! E
todos sorriem. Sorriem sem parar.
É
nesse país que eu quero morar.
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