22
de janeiro de 2015 | N° 18050
LUCIANO
ALABARSE
ARREPIOS
Bethânia
contou no jornal que pediu ao Chico César “uma canção de amor simples”.
Distinguiu uma canção simples de uma canção simplória. Tirei meu chapéu. Nossos
maiores compositores andam nos devendo canções assim. Pra assoviar no chuveiro
e cantar em voz alta voltando pra casa. Sofisticação cultural hoje está
associada à esterilização das emoções primárias, equívoco monumental.
Falando
na baiana: O Vento Lá Fora, seu DVD com a professora Cleonice Berardinelli,
ambas recitando Fernando Pessoa, é um dos mais importantes trabalhos sobre
poesia já produzidos em língua portuguesa. Deveria ser distribuído
obrigatoriamente em nossas escolas. Simples e sofisticadíssimo.
A
história do “simples” em cultura é um negócio complicado. Lendo o livro do
Chico Buarque, O Irmão Alemão, me dei conta, mais uma vez, que literatura não
é/não deveria ser apenas demonstração de erudição gramatical perfeita. Falta em
sua narrativa a emoção que sobra em O Homem que Amava os Cachorros, do Leonardo
Padura.
A
perseguição de Trotsky pela ditadura stalinista, ponto nodal do romance, é de
tirar o fôlego. Judas, de Amos Óz, vale mais pela aula sobre a formação de
Israel do que pela história em si. Mas o autor demonstra, no capítulo 47,
porque é um dos nossos maiores escritores. Judas conta em primeira pessoa os
acontecimentos que culminaram na crucificação. Deve ser, em seu amor extremado,
o primeiro fundamentalista da história. A etiqueta “traidor” reduz e simplifica
seu comportamento. Leia. É de arrepiar.
Arrepios
não faltam para quem lê jornais. As coisas estão no mundo, como diria Paulinho
da Viola. Nunca se noticiaram tantas coisas boas sobre o progresso humano. Mas
nunca a humanidade pareceu tão radical e intolerante como nos dias atuais. O
mundo está louco, é isso? Simples assim?
Enquanto
metralhadoras substituem canetas, o Porto Verão Alegre chega à sua 16ª e melhor
edição até aqui. Confira a programação do festival e comemore: sim, há arte e
humor no fim do túnel.
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